Uma preciosidade do filme-documentário chega aos cinemas na sexta-feira 2. É Nelson Freire, de João Moreira Salles, sobre o pianista mineiro de 58 anos, o único do País incluído na respeitada coleção de CDs Grandes pianistas do século XX. Em nenhum momento, contudo, se diz que Freire é considerado um dos cinco maiores pianistas vivos do mundo. Nem se vê nenhum especialista jogando confete. Espelhando-se na absoluta discrição do músico, de maneira recatada a câmera de Salles rodeia, aproxima aos poucos, para ao final sair com um retrato comovente do personagem. “Filmamos durante dois anos e Nelson só deu uma longa entrevista no último dia”, lembra Salles, autor de Notícias de uma guerra particular, sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

No entanto, diferentemente da obra anterior, Nelson Freire foge bastante do formato tradicional. Dividido em 31 blocos temáticos, alguns quase vinhetas, o documentário tem uma estrutura que brilha na luminosidade de suas partes, flagrando o músico em casa, nos bastidores e em recitais. Nada de grandes depoimentos. Apenas imagens eloquentes. Na sucessão de belos momentos, emociona a leitura feita pelo documentarista Eduardo Coutinho de uma declaração de afeto em forma de carta, escrita pelo pai de Freire quando o filho tinha seis anos. Fala da decisão da família em se mudar da cidade mineira de Boa Esperança para o Rio de Janeiro. Queriam que o menino continuasse os estudos de piano.

Reveladora é também a homenagem à pianista Guiomar Novaes, na qual Freire, chamado por ela de “o pequeno Rubinstein”, entra em cena apenas ouvindo-a em disco executando a

Melodia de Orfeu

e

Eurídice

, de Christoph Gluck. Ou então as passagens mostrando seu relacionamento com a pianista argentina Martha Argerich, verdadeiro elogio ao respeito e à amizade. Flagrante raro de humor e perfeccionismo, no bloco

Um contratempo

Freire surge “brigando” com um piano Steinway, horas antes de um recital. Encara a pirraça do instrumento sem alterar o rosto rosado. “Piano é como as pessoas. Este não gosta de mim. E olha que eu não fiz nada para ele”, diz. Nestas cenas, é sensível a decisão da equipe de só tê-lo falando quando é da sua vontade e de só avançar em determinado assunto se ele permite. Nada é dito, por exemplo, da perda dos pais num acidente de ônibus. “Quis fazer um filme sobre a intimidade e a preservação dela”, afirma Salles. E conseguiu, de um jeito muito feliz.