Pode parecer um paradoxo, mas existem biografias e ensaios que nos conquistam mais pelo brilho de quem as assina do que pela singularidade do célebre retratado. Com certeza é o caso de Rembrandt (José Olympio Editora, 88 págs., R$ 28), trazendo dois textos que o escritor francês Jean Genet (1910-1986) escreveu sobre o pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669). O primeiro deles é um pequeno extrato, publicado pela primeira vez em 1958 sob o título O segredo de Rembrandt, de um sonhado livro sobre o artista. O segundo, a reunião de dois fragmentos aparecidos em 1967 na revista Tel Quel com o nome de O que restou de um Rembrandt cortado em pequenos quadrados bem regulares e jogado na privada – Genet rasgou os escritos em 1964.

Sabe-se lá por que Genet, cujo estilo se revelava de um barroquismo quase delirante, resolveu exterminar os manuscritos. Uma das versões, atribui o gesto à morte de um amigo. De qualquer forma, a leitura do pouco que foi salvo da fúria destrutiva dá a medida do envolvimento de Genet com o tema e de como o seu enfrentamento mudou radicalmente sua visão de mundo. A partir da identificação de uma ética pictórica
nos retratos de Rembrandt, nos quais “nenhum traço fisionômico reflete um traço de caráter” – portanto sem nenhuma singularidade –, Genet passa a questionar a busca erótica. É justamente o grau destas
reflexões e a reverberação delas na sua trajetória o que torna este pequeno ensaio apaixonadamente sedutor.