No imaginário ocidental, as gueixas são uma espécie de boneca de porcelana. Enroladas em justíssimos quimonos de seda e com o rosto sempre coberto de exótica maquiagem, elas teriam vindo ao mundo para dar prazer aos homens. A imagem é verossímel, embora simplista, conforme o instigante relato da antropóloga americana Liza Dalby na obra Gueixa (Objetiva, 358 págs., R$ 44,90). Especialista em cultura japonesa, Liza parte dos menores detalhes do cotidiano para demonstrar a sintonia existente entre essas figuras tradicionais e o significado do próprio termo gueixa – mulher que vive pela arte. Na sequência de uma apurada formação, em particular no campo da música e da dança, as gueixas se encarregam de manter agradável a atmosfera de reuniões e banquetes para os quais são contratadas. O trabalho costuma ser remunerado – e bem – por hora. No passado, era diferente. A começar pelo fato de as primeiras gueixas terem sido masculinas. Chamados tamborileiros, os músicos e comediantes responsáveis pelo entretenimento começaram a perder espaço para as garotas por volta de 1600. No decorrer das décadas, com seus passos curtos e delicadeza estudada, elas passaram a dominar a cena.

Embora não sejam raros os casos de envolvimento sexual de gueixas
com clientes, elas não chegam a ser consideradas exímias nos “assuntos de travesseiro”, uma das muitas metáforas que usam para os jogos amorosos. Outro detalhe desanimador são os inevitáveis compromissos financeiros. “Do ponto de vista masculino, dormir com uma gueixa não
é uma tarefa simples, pois ele não poderá livrar-se facilmente se sua paixão esfriar”, conta a autora. Em tom ora intimista, ora ligeiramente acadêmico, Liza escreveu Gueixa com base em sua própria experiência. Ainda na adolescência, ela estabeleceu fortes vínculos com o Japão.
No final dos anos 1960, por meio de um intercâmbio cultural, passou
um ano numa pequena cidade na ilha de Kyushu. Quase uma década
e muitas temporadas de estudo depois, Liza decidiu transformar o
mundo das gueixas em tema de um doutorado em antropologia. A
seu favor teve o domínio do idioma, profundo conhecimento da cultura
e até talento ao tocar o shamisen, o instrumento musical de três
cordas usado pelas gueixas.

A integração de Liza à comunidade que pesquisava foi tamanha que ela acabou se transformando, por nove meses, em Ichigiku, uma das mais disputadas gueixas da tradicional comunidade de Pontochô, em Quioto. Única ocidental a vivenciar esse tipo de experiência, Liza fez muito mais do que enriquecer seu trabalho de campo para a tese, defendida em 1978, na Universidade de Stanford. Na prática, direcionou sua carreira para o Oriente, tornando-se uma autora de sucessos internacionais, como Quimono, inédito no Brasil, e A lenda de Murasaki, publicado pela Objetiva em 2000. Lançado nos Estados Unidos em 1983, Gueixa é um trabalho fascinante, embora de leitura lenta, repleto de citações, com direito até a glossário. A edição que acaba de chegar ao Brasil foi atualizada pela autora em 2000, quando o livro estava para ser publicado na Inglaterra.