A medicina reprodutiva desperta grande interesse. Relativamente recente, a especialidade trata as causas da infertilidade de homens e mulheres. E é justamente por lidar com a geração da vida que cada avanço nessa área se torna um tema tão fascinante, especialmente para os casais que lutam para vencer as barreiras e realizar o sonho de ter um filho. Um em cada seis casais se encontra nessa situação. Entretanto, a última grande mudança no setor não surgiu nos laboratórios de alta tecnologia. Ela está nascendo da preocupação de especialistas em facilitar o acesso ao tratamento. Um dos objetivos dos médicos é oferecer os recursos disponíveis a pessoas de menor renda que têm problemas de infertilidade, mas não podem bancar os custos atuais. Hoje, pagam-se em média R$ 12 mil por uma tentativa de fertilização in vitro (FIV) – a união do óvulo e espermatozóide em laboratório –, um dos tratamentos mais adotados. Isso fora o custo da medicação, que também fica a cargo dos casais (entre R$ 2 mil e R$ 3 mil). Com essa estratégia, pretende-se ainda aumentar o movimento nas clínicas.

Alguns médicos estão investindo nessa idéia. Um deles é o urologista Sandro Esteves, dono da Clínica Androfert, em Campinas (SP). Ele lançou os custos dos procedimentos da medicina reprodutiva em uma planilha e decidiu que era possível parcelar os tratamentos em até dez vezes. A maioria das clínicas divide em apenas três vezes ou em uma entrada e pagamento do saldo no final do procedimento. Além disso, na Androfert, um pacote com três tentativas de FIV sai por R$ 17 mil. Esteves também aposta no controle rigoroso de cada etapa do tratamento para aumentar sua eficácia. Por isso investiu na construção de um laboratório dentro de padrões internacionais de qualidade. “Os cuidados aumentam as chances de sucesso da fertilização. O controle do ar da sala de FIV, por exemplo, diminuiu a quantidade de partículas estranhas, que podem interferir negativamente no processo”, afirma. Especialista em infertilidade masculina, o médico recorre a técnicas modernas como a microdissecção para auxiliar homens com baixa quantidade de espermatozóides, o que dificulta a concepção. O procedimento usa um microscópio eletrônico para selecionar as estruturas internas do testículo onde se pode encontrar maior quantidade de espermatozóides. “Isso ajuda a achar gametas em um terço dos homens que precisariam recorrer à doação de sêmen”, diz Esteves.

Médicos de centros maiores, como a Unidade de Reprodução Humana do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, também constataram a necessidade de criar esquemas de pagamento mais flexíveis. Há sete meses, eles lançaram o programa 4 Tentativas de FIV, com preço fixo de R$ 16 mil. O casal paga por mês uma parcela de R$ 2 mil, além de bancar os medicamentos hormonais. E ainda existe a possibilidade de financiamento bancário para pagar os remédios em seis vezes. No momento em que a cegonha vier, o casal precisará pagar o que falta para inteirar os R$ 16 mil combinados. Se não der resultado até a quarta tentativa, não é necessário pagar nada além dos R$ 8 mil já quitados. “Assumimos o risco junto com o paciente”, diz o ginecologista Nelson Antunes Júnior, um dos responsáveis pelo setor.

Há um mês, abriu-se mais uma porta. A clínica Androfert e a Unidade de Reprodução Humana do Einstein assinaram um contrato inédito para a cobertura dos tratamentos de medicina reprodutiva com a Mediservice. A companhia é uma administradora de planos de saúde empresariais que desenvolve os planos conforme as necessidades dos clientes, em geral empresas de grande porte. O acordo entre as clínicas – as primeiras a ser credenciadas – e o convênio foram viabilizados depois de um levantamento de preços feito pela consultoria CDI, de São Paulo. “O estudo mostrou que os tratamentos da infertilidade não custam mais caro do que outras cirurgias já cobertas pelos convênios”, diz Fernanda Cardoso, da CDI. Com base em uma tabela preestabelecida, as empresas que quiserem oferecer mais essa cobertura aos funcionários poderão custear o tratamento inteiro ou dividir o valor com o casal, que neste caso pagará um porcentual.

No contrato com as duas clínicas, uma tentativa de FIV sai por R$ 4,5 mil, incluindo honorários, materiais e utilização de toda a tecnologia necessária para unir os gametas. O custo com os medicamentos hormonais pode ser coberto pelo convênio, ou os remédios comprados a preço de fábrica pelos pacientes. Isso depende da empresa e do tipo de plano. Antes de liberar a realização dos procedimentos, a Mediservice exigirá do especialista um relatório sobre as causas da infertilidade e a estratégia de tratamento. A intenção é garantir a aplicação dos métodos mais adequados a cada caso, em vez de padronizar o atendimento.

A conduta de diagnosticar corretamente as causas da infertilidade antes de decidir por procedimentos mais invasivos, como a FIV, já existe na maioria dos serviços gratuitos ligados a hospiais públicos e universidades. No serviço da Universidade de Brasília, por exemplo, onde não há essa tecnologia, o foco é tratar causas da infertilidade que podem ser corrigidas por meios mais simples. “Apenas 5% a 10% dos casais precisam da FIV”, explica o responsável pelo setor, o ginecologista Antônio Carlos Rodrigues. E algumas dessas causas têm tratamento coberto por convênios. Uma delas é o entupimento das trompas, problema que impede o encontro do óvulo com o espermatozóide.

Mas não é só. Além dos convênios, alguns bancos já estudam linhas de crédito específicas. As instituições perceberam que existe uma demanda reprimida em segmentos sociais que podem pagar um financiamento. Os números do mercado confirmam. No ano passado, as 179 clínicas especializadas do País realizaram apenas nove mil tentativas, 16 vezes menos do que a média de outros países. Mas isso não aconteceu por falta de candidatos. Em menos de uma semana, o recém-criado Centro de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas de São Paulo, serviço gratuito, por exemplo, recebeu dez mil inscrições para preencher suas duas mil vagas. É uma demonstração contundente de que há muita gente esperando apenas por uma porta aberta para concretizar o sonho de ter um bebê.