Nenhuma mulher foi tão importante para a história da Argentina quanto Eva Perón. Adorada em seu país pela dedicação com que se entregava às causas sociais e políticas – sua atuação foi decisiva na conquista do voto feminino, por exemplo –, Evita, como era chamada, rapidamente ultrapassou as fronteiras portenhas para se converter num mito planetário. Ao lado do marido, o ditador Juan Domingo Perón, ela exercia enorme fascínio na mídia. Mas, sozinha, também causava furor.

Basta lembrar seu périplo de três meses, iniciado em junho de 1947, pela Espanha, Itália, Portugal, França, Suíça, Mônaco, Uruguai e Brasil. De passagem pelo Rio de Janeiro, Evita quebrou um tabu fazendo com que uma missa fosse celebrada à tarde na Igreja da Candelária, algo jamais acontecido. Nestas viagens consta que foi necessário um avião inteiro para carregar a bagagem da primeira-dama argentina – num cofre, cuja chave ficava com o comandante, trazia jóias então avaliadas em US$ 20 milhões. Eram 130 malas com 80 vestidos, 60 pares de sapatos, 50 chapéus e 12 peles. Um destes vestidos de gala, usados justamente numa recepção no Rio, é um dos destaques da mostra Eva Perón – imagens de uma paixão, que será aberta na quinta-feira 7 no Memorial da América Latina, em São Paulo, para lembrar o cinquentenário de sua morte por câncer, ocorrida em julho de 1952, aos 33 anos.

Elegância – O vestido é um tomara-que-caia feito em gaze de seda azul, com aplicações de renda, forrado em cetim de seda azul-escuro. Figurino completado por um saiote de algodão branco, com armação de arame. Quem assina a peça é a estilista argentina Paula Naletof, uma das preferidas de Evita, ao lado dos franceses Christian Dior, Jacques Fath e Pierre Balmain, sinônimos da elegância em alta-costura na década de 40. Eles criavam modelos exclusivos para a primeira-dama, que os valorizava pela sua silhueta esguia de 1,70m. Sua beleza resplandece em fotos que também figuram na exposição, como o retrato feito pela respeitada fotógrafa Annemarie Heinrich, em 1944. De origem humilde, Evita, ex-artista de teatro, rádio e cinema, não envergava apenas vestidos dos grandes estilistas, mas acessórios de grifes famosas. Acessórios e vestidos integram a coleção do Museu Evita de Buenos Aires, mantido por sua família. As peças que chegam a São Paulo só haviam saído uma vez da Argentina para uma mostra no Metropolitan Museum of Art de Nova York. Cada roupa será apresentada num manequim, tendo ao lado a foto do momento único em que Evita vestiu a roupa. São solenidades ou trabalhos assistenciais, ocasiões em que ela optava por discretos tailleurs de tons escuros. Glamourosa, Evita ditava moda. Adotava não apenas peças clássicas, mas outras de estilo ligeiramente vanguardista para a época.

Imaginário popular – Ao lado dos vestidos, a exposição ainda apresenta uma série de telas de artistas plásticos argentinos, tendo a mãe dos descamisados como inspiração. A grande maioria privilegia obras recentes, de 1990 a 2002, o que só confirma a onipresença de Evita no imaginário popular. Guillermo Hunt, cônsul-geral da Argentina, diz que Eva Perón se tornou um símbolo dos setores mais humildes da população. “Trabalhava 18 horas por dia e não parou nem quando soube que ficou doente.” Em um quadro, ela é mostrada como uma santa. Nuestra señora de los descamisados (1999), de Aurelio García, a retrata envergando uma coroa semelhante à de Nossa Senhora. No acrílico sobre tela, Ave Eva (2000), do mesmo autor, ela paira no céu, como que saída das chaminés de uma fábrica. Nem todos os quadros, porém, têm o sentido de exaltação. Dois deles, La esfinge (2001), óleo e acrílico sobre tela de Daniel Santoro, e Eva esfinge (2002), papel sobre tela de Miguel Alfredo D’Arienzo, remetem ao monumento egípcio colocando-a como uma personagem a ser decifrada. Um documentário de uma hora e quarenta minutos sobre sua trajetória meteórica, que faz parte da exposição, certamente irá ajudar os visitantes a entender sua passagem de mulher para mito.
 


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