A aquisição dos novos caças supersônicos para a defesa aérea foi adiada, pelo menos até o final do ano, mas o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, está mais animado. “Tenho esperanças e motivos para isso porque os resultados da economia estão aí, com a queda do dólar, a redução do risco Brasil e a entrada de investimentos estrangeiros”, disse ele a ISTOÉ. Bueno deixa claro que compreendeu os motivos do adiamento da renovação da Força Aérea Brasileira: “Em economia não há milagres e não era possível mudar a situação de um dia para outro.” Mas, apesar do envelhecimento tecnológico da FAB, a situação, segundo Bueno, “não é de emergência”. O brigadeiro disse a ISTOÉ que os atuais caças supersônicos Mirage-III, adquiridos no fim da década de 60, poderão ser usados até 31 de dezembro de 2005. Quanto ao combustível para os vôos de instrução – que faltou no ano passado –. está “tudo em dia”.

Mas a controvérsia sobre as aeronaves que concorrem na licitação
da Aeronáutica continua. A escolha será feita entre o americano F-16,
da Lockheed Martin, o Mirage 2000BR, apresentado pelo consórcio
da Embraer e sua sócia francesa Dassault Aviation, o anglo-sueco
JAS-39 Gripen e o russo Sukhoi Su-35. Analistas garantem que a
escolha será política: um avião americano ou europeu ou o Mirage,
com a participação da Embraer no projeto, opção que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva defendeu na campanha presidencial do ano passado e que tem o apoio de militares e estrategistas civis a favor
do acesso do País à tecnologia estratégica.

Na medida em que deixou mais explícita a política americana de busca
da hegemonia em áreas estratégicas para a Casa Branca, a guerra do Iraque deve influir em contratos de equipamento militar de vários países, inclusive o Brasil. É a avaliação de um oficial do alto comando, endossada por estrategistas brasileiros. Os desdobramentos políticos da guerra reforçam a expectativa de oficiais da Aeronáutica de que a escolha dos novos caças será política, e não baseada apenas em aspectos técnicos. O projeto apoiado pelo presidente Lula ainda na campanha eleitoral é o
do avião Mirage 2000BR, do consórcio da Embraer com seus sócios franceses da Dassault, cuja tecnologia será transferida para a indústria brasileira, caso esse avião venha a ser escolhido. Trata-se de uma aeronave de última geração, baseada no modelo 2000-5 MkII. É uma versão inteiramente nova do Mirage 2000-5, um caça multiuso, que
pode realizar operações de interceptação, ataque ao solo e reconhecimento, e incorpora importantes avanços desenvolvidos para o Rafale, o biorreator embarcado no porta-aviões Charles De Gaulle. Países aliados dos EUA, como o Catar, os Emirados Árabes Unidos e a Grécia, também compraram caças Mirage 2000-5 MkII. O jato é equipado com o míssil Mica (míssil de interceptação e combate aéreo), capaz de atingir vários alvos guiados por computador.

O caça americano F-16 também tem condições de fazer sofisticadas operações, assim como o russo Sukhoi Su-35, que impressionou os analistas da Aeronáutica pelo longo alcance. O que é objeto de mais restrições técnicas é o anglo-sueco JAS-39 Gripen, que tem equipamentos fundamentais de origem americana e era o favorito no governo Fernando Henrique Cardoso. A preferência era então por um equipamento que permitisse compensações para os compromissos assumidos pelo Brasil com o sistema financeiro internacional, inclusive
o americano. Como o governo brasileiro já fez a opção por outros equipamentos militares americanos, surge agora entre militares do primeiro escalão restrições a uma ampliação da dependência do
material fabricado nos EUA.

É o caso do brigadeiro Eden Asvolinsque, que atuou na Junta Interamericana de Defesa, em Washington. Ele disse a ISTOÉ que “o governo brasileiro adotará uma política errada se assinar grandes contratos de aquisição de aeronaves com a indústria americana, influenciada efetivamente pela estratégia internacional do Pentágono”. Isso não quer dizer, segundo ele, que se deva excluir a indústria dos EUA, já beneficiada com a escolha do avião P-3 e de outros equipamentos para a renovação da Força Aérea Brasileira.
Para o oficial, “do ponto de vista geoestratégico, não será conveniente uma dependência da indústria dos EUA, que só admite como aliados
os países que se alinham automaticamente com a Casa Branca, casos
do Reino Unido, Austrália, Espanha e Itália”. Para esse oficial-general,
“a política brasileira será incoerente se de um lado adotar uma posição contrária à guerra do Iraque e de outro aumentar sua dependência da indústria americana”. Asvolinsque afirmou que “uma das consequências mais nefastas de uma submissão à estratégia americana seria o Brasil retroceder à política de assistência militar mantida até 1977”. Essa política, rompida pelo governo brasileiro, permitia que fossem enviados muitos equipamentos usados para o Brasil, a baixo preço. Foi através
da assistência militar que foi cedido um submarino à Marinha
em condições desaconselháveis.

Principal defensor de uma política de nacionalização do material aeroespacial nos últimos 30 anos, o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, que participou do projeto para a produção e modernização de mísseis no Iraque antes da Primeira Guerra do Golfo (1991), classificou de “inconveniente” uma política de defesa “centrada apenas em compras no Exterior, nos EUA ou na Europa”. Para Piva, “essa opção só pode ser considerada em casos extremos, mas com a condição de que seja submetida a uma parceria com a indústria brasileira, capaz de assegurar acesso efetivo à tecnologia”. Outro defensor da nacionalização do material da Força Aérea Brasileira, o ex-ministro da Aeronáutica, brigadeiro Mauro Gandra, não prevê pressões mais intensas de Washington para a compra de aviões F-16 pelo Brasil, pelo fato de os EUA adotarem uma política de hegemonia e pelos desdobramentos da guerra do Iraque. “Não creio que surjam problemas se o Brasil fizer a opção, por exemplo, pelo avião Mirage 2000BR”, diz Gandra.

Apesar de o governo brasileiro ter adiado a escolha oficial da aeronave, a batalha comercial pelo contrato dos novos caças da Aeronáutica não teve uma trégua. Se os desdobramentos políticos da guerra do Iraque abrem espaço para o questionamento dos fundamentos estratégicos em que vão se basear a aquisição do avião, as pressões comerciais continuam. Por causa dessa mudança de cenário, Gandra argumenta que, em vez de a guerra fortalecer as pressões americanas para a aquisição do F-16, pode permitir a prioridade para uma solução independente, um projeto com a participação de uma empresa brasileira. “Até que ponto vale a pena assinar muitos contratos de equipamentos militares com a indústria de um país hegemônico em vez de diversificar as fontes de suprimento e se capacitar a produzir o material?”, pergunta.

Com as restrições de alguns oficiais à compra do F-16, os americanos fizeram uma nova oferta, dessa vez de um leasing dessas aeronaves.
Elas seriam cedidas para a Base Aérea de Anápolis até o início de 2007. Os antigos Mirage-III já estão sendo desativados na Base, responsável pela defesa de Brasília. Persistem, contudo, as restrições de oficiais da Força Aérea Brasileira ao míssil ar-ar que o governo americano admite ceder ao Brasil no caso da escolha do F-16, o Aim 120 Amraam. O
antigo conceito de aviação estratégica previa a necessidade de um
avião capaz de decolar, realizar uma operação contra o inimigo e retornar à sua base. Mas o novo conceito dá também prioridade ao míssil, que deve ter capacidade de atingir um avião antes de ser detectado pelo radar. Esse problema em relação ao míssil americano estaria resolvido
se o Brasil tivesse apoiado a intervenção militar no Iraque, credenciando-se como aliado preferencial.

As restrições do governo brasileiro à guerra reduziram as possibilidades de os EUA admitirem a cessão de materiais considerados estratégicos. Na avaliação de um coronel americano, o Brasil frustrou as expectativas que Washington depositou no País. Para reforçar seu argumento, ele cita o fato de a doutrina Bush de segurança ter incluído o Brasil entre as nações da América Latina de interesse especial dos EUA, juntamente com México, Venezuela, Chile e Colômbia. Já a Argentina, desta vez, deixou de estar entre as nações da América Latina consideradas pela Casa Branca mais importantes para as relações internacionais dos EUA.