Engajado de corpo e alma nas idéias petistas, Zezé Di Camargo propõe até doar um pedaço de suas terras para a reforma agrária

Desde que se engajou há dois meses na campanha do Partido dos Trabalhadores (PT), o cidadão Mirosmar José Camargo – que forma com o irmão a milionária dupla sertanejo-pop Zezé Di Camargo & Luciano – tem surpreendido até os amigos mais próximos. Com fervor de militante, participou dos comícios do PT e adotou um discurso empolgado e articulado em defesa de Luiz Inácio Lula da Silva. Impressionado com a performance do cantor e compositor, Lula brincou: “Daqui a pouco eu vou cantar e você é quem vai falar.” O presidente eleito também aprovou suas posições políticas, que, diga-se, não são poucas. Nesta entrevista a ISTOÉ, o pai da cantora pop Wanessa Camargo foi contundente. “Numa situação-limite, até daria uma parte de uma das minhas fazendas em Mato Grosso ou Goiás”, afirma Camargo, já imaginando um projeto de reforma agrária que ele próprio quer conduzir.
Aos 40 anos, detentor de vários sucessos que lhe renderam cerca de 20 milhões de discos vendidos, Camargo no princípio enfrentou a relutância do irmão Luciano em se engajar na campanha petista. “Ele não gosta de política, mas fez os shows numa boa”, conta.

ISTOÉ – Por que você resolveu se engajar com tanto entusiasmo na campanha do Lula?
Zezé Di Camargo

É muito fácil para artistas bem-sucedidos como eu e o Luciano não se posicionarem. Mas acho um ato de covardia não se posicionar politicamente. Chega um momento na vida que o cidadão tem que estar na frente do artista. O início de carreira de um artista é uma prostituição, no bom sentido. Se o cara pagou, você canta. Agora é diferente.

ISTOÉ – Em outros tempos, você foi simpatizante do ex-presidente Fernando Collor. Ser agora cabo eleitoral do Lula não é uma guinada muito grande?
Zezé Di Camargo

O ser humano tem obrigação de crescer, de evoluir. Não podemos nascer com um pensamento e morrer com ele. Não votei no Collor na época porque justifiquei meu voto, senão teria votado nele. Estive na Casa da Dinda, fui convidado junto com um punhado de artistas. Mas na época eu não era a grande estrela do momento. As duas grandes estrelas da música sertaneja eram Chitãozinho & Xororó e Leandro & Leonardo. Ter ido ao encontro foi uma atitude de inocência. A música sertaneja era muito marginalizada, e ser convidado pelo presidente era um privilégio.

ISTOÉ – Diante desse posicionamento, a música sertaneja não acabou mais discriminada ainda?
Zezé Di Camargo

A culpa é do gênero, que sempre cantou em palanques da situação, até por inocência. Por isso, acho que minha posição surpreendeu. Mas, se me perguntassem há dez anos se eu votaria no PT, diria que não. Há dez anos eu achava que o PT era sinônimo de baderna, de invasão de terra. Muita gente ainda pensa assim.

ISTOÉ – Quando você resolveu pedir votos para o PT?
Zezé Di Camargo

A primeira coisa que eu fiz foi liberar a canção Meu País para o PT. Até o Duda Mendonça (marqueteiro do partido) estranhou porque ele tentou liberar músicas de outros artistas e não conseguiu. Minha intenção, na época em que compus a música, era mostrar o outro lado de um cantor sertanejo, um cara que todos acham que é alienado, que só pensa em vender disco. Eu me preocupo com o cara que está comprando nosso disco. Será que ele não está tirando o dinheiro que poderia comprar um quilo de carne para comprar nosso CD?

ISTOÉ – Antes da campanha, você já havia se encontrado com o Lula?
Zezé Di Camargo

Há uns dois meses. Foi num jantar na casa da Marta Suplicy. Fiz várias perguntas, uma sabatina. E comecei a ver o que o Lula pensa das questões sociais. O Lula é um cara com poder de coalizão, de juntar pobres e ricos.

ISTOÉ – É verdade que você deixou de fazer cinco shows para o candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz, no valor de R$ 750 mil, porque soube que ele estaria envolvido com grilagem de terras?
Zezé Di Camargo

É verdade, mas não quero falar em valores. Tínhamos feito um contrato com ele, antes de me engajar no PT. Não sei a data, mas antes de fazer a campanha para o PT, estávamos abertos a fazer shows para todos. Chegamos a fazer shows para o Roriz. Só depois ficamos sabendo do envolvimento com grilagem de terra. E ele também usou a nossa imagem indevidamente no programa eleitoral. Daí, mesmo com um contrato assinado, conseguimos cair fora. Afinal, uma cláusula foi transgredida.

ISTOÉ – Você tem duas fazendas, uma em Goiás e outra em Mato Grosso. Como se comportaria, caso o Movimento dos Sem Terra invadisse suas propriedades?
Zezé Di Camargo

A reforma agrária tem que ser feita no Brasil e é necessária. Eu concordo com a reivindicação do MST. Não concordo com seus métodos. Invadir a propriedade alheia é um absurdo. É inconstitucional, você não pode invadir o que é dos outros. Eu tenho minhas fazendas perto de alguns assentamentos realizados há dois anos e 30% das terras já foram vendidas. Ou seja, invade a terra, vende e sai. Virou profissão. O MST perdeu uma grande chance de fazer uma revolução agrária neste país.

ISTOÉ – Mas e a doação de terras?
Zezé Di Camargo

Tem um momento em que você começa a se sentir mal de estar tão bem e ver o caos social à sua volta. Eu pensei em pegar dez famílias que estivessem embaixo da ponte, na rua, e dar um pedaço das minhas terras, um alqueire que seja. Durante uns tempos dou apoio financeiro, que não vai me custar quase nada. Vai ser uma espécie de cooperativa.

ISTOÉ – Por que no Brasil a miséria se perpetua há tanto tempo?
Zezé Di Camargo

Eu não posso diagnosticar. Mas desde que comecei essa militância para o PT tive a oportunidade de debater com algumas pessoas que pensam o contrário de mim. Vivo num bairro de classe média alta em São Paulo e, quando digo que a elite é perversa, é porque o cara está muito mais preocupado com o que vai acontecer com ele do que em melhorar a vida das classes mais baixas. É muito egoísmo. O Brasil de Zezé Di Camargo & Luciano deu certo, caramba! Vendemos milhões de discos, fazemos shows pra caramba, temos jatinho particular, fazendas. Então poderia não enxergar o Brasil que deu errado. Acho que a elite é perversa por causa disso, porque o cara não se preocupa com nada.
 

ISTOÉ – Por que você falava nos comícios que o voto de um sujeito desempregado tem o mesmo poder do voto de um Antônio Ermírio de Moraes?
Zezé Di Camargo

O que mais incomoda a elite é saber que num momento um desempregado tem o mesmo poder que ela. É um orgulho muito grande quando você digita aquele trem lá. Eu bati o confirma do Lula com uma raiva, porque aquele momento te dá um poder de mudar alguma coisa. A elite está assustada. É porque está vendo a chance de alguém do povo mudar a situação do País. Desde a ditadura, o Brasil só foi governado pela elite.