O economista e deputado Antônio Delfim Netto

O economista e deputado Antônio Delfim Netto, 74 anos, diz que Lula não representa nenhum risco
às instituições do País e que o seu partido, o PT, jogou fora o socialismo de pé quebrado.

ISTOÉ – O sr. vê riscos na vitória de Lula?
Delfim Netto

Não há nenhum risco. As instituições estão sólidas. Durante muito tempo, o PT se recusou a aceitar as regras do jogo democrático, de forma que não era aceito no corpo da política nacional. Ele ganhou pequenas prefeituras, depois Estados e foi lentamente se modificando. Na verdade, o PT fez o caminho que fizeram a social-democracia alemã e o partido trabalhista inglês. A carta de Ribeirão Preto, que traz o programa do PT, é perfeitamente aceitável. Eles jogaram fora todo aquele resto de romanticismo que tinham, aquele socialismo de pé quebrado, do mesmo jeito que fizeram a social-democracia alemã e o partido trabalhista inglês.

ISTOÉ – Ele assume um país numa situação econômica dramática…
Delfim Netto

Ele ganha a eleição com o programa do PT, mas não vai administrar com esse programa. Para administrar o País, ele vai ter que constituir uma maioria sólida no Congresso, e isso significa que terá de harmonizar o seu programa com o programa dos outros que vão apoiá-lo. Essa idéia de que ele pode fazer qualquer coisa independentemente do Congresso é falsa. Hoje o Congresso está consolidado. Nos últimos 14 anos foi defenestrado um presidente da República, um presidente do Senado, um presidente da Câmara, tudo dentro do devido processo
legal, sem que houvesse nenhuma reverberação.

ISTOÉ – O sr. acha que o Lula pode fazer um bom governo?
Delfim Netto

Ele só não fará um bom governo se for menos inteligente do que eu penso que ele é.

ISTOÉ – E a herança de FHC?
Delfim Netto

A herança é muito séria. Eu estou convencido de que ela não é só séria do ponto de vista econômico. Eu ainda acho que a pior herança do governo Fernando Henrique é a reeleição sem controle social. Esse é um dos piores resquícios dessa tucanagem. É só você viajar para o interior e verificar que, mesmo em São Paulo, as oligarquias estão rindo à toa. Elas se recompuseram e vão continuar se recompondo enquanto continuar esse sistema, que é um sistema propenso a fraudes.

ISTOÉ – Qual a grande obra de FHC que fica para seu sucessor?
Delfim Netto

O grande drama que eu acho é isso. A única “grande obra” é o controle da inflação. Mas quando você olha as 15 maiores economias do mundo, aquelas economias cujo PIB é mais de 1% do PIB mundial – e o Brasil é a nona dessas economias –, você vê que a taxa de inflação do País hoje é a maior das 15. Então, é preciso pôr um grão de sal nessa vitória extraordinária no controle da inflação.

ISTOÉ – O sr. se alinha com os que defendem a permanência de Armínio Fraga no Banco Central?
Delfim Netto

Isso é absurdo, independentemente da minha admiração por Armínio. É completamente absurdo. O Brasil quer uma mudança da política econômica. Esse negócio de ter que ficar tudo igual para ficar melhor não é assim. O Armínio é um sujeito fantástico, formidável, não tem nada a ver com isso.