Do marechal ao operário. Depois de 500 anos de história e 113 anos de República, a democratização do poder no Brasil no século XXI é vermelha e tem como símbolo uma estrela de cinco pontas. Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-torneiro mecânico que chegou a São Paulo em cima de um pau-de-arara para tentar a vida, é o novo presidente da República. O primeiro a ingressar na galeria dos presidentes foi Deodoro da Fonseca, o “generalíssimo”. Hoje cabe a um ex-operário pôr a Nação nos trilhos de uma revolução social. O combustível a ser usado para o árduo trajeto será a conciliação e a negociação com amplo espectro político da sociedade. Primeiro político de um partido de esquerda a conquistar a Presidência, Lula não é apenas um campeão absoluto de votos no mundo. É um recordista em quebrar tabus. Depois de 13 anos, desde que disputou pela primeira vez o Planalto, ele finalmente derrubou um muro de preconceitos. Lula, o 30º presidente da República e o 17º eleito pelo voto direto, é o primeiro sem-diploma a governar o País.

Está na sua mão esquerda a marca indelével de sua origem social: a ausência do dedo mindinho, decepado num torno mecânico. Na sua memória estão guardadas as doloridas lembranças da infância no sertão, quando a primeira refeição era uma mistura de café com farinha. O primeiro presidente pernambucano do Brasil é a prova de que Euclides da Cunha estava certo na sua profecia: “O sertanejo é acima de tudo um forte.” E perseverante. Lula disputou quatro vezes consecutivas e só na última tentativa chegou lá. Desta vez em grande estilo. Tornou-se também o primeiro representante da classe trabalhadora a tomar as rédeas de um país na América Latina. “A nossa vitória não é apenas a de um presidente da República. É a vitória contra a desfaçatez, contra o preconceito da elite brasileira. A nossa vitória é para mostrar que, tendo diploma ou não, sendo homem, mulher, preto ou branco, a gente é capaz de virar o mundo de ponta-cabeça”, resumiu. Foi uma vitória banhada em lágrimas, mergulhada na emoção e marcada pelas coincidências. Lula nunca chorou tanto na sua vida: “Depois dos 50, eu fiquei chorão.” Nos comícios, desabafava: “Pouca gente apanhou neste país como eu apanhei. Pouca gente foi vítima do preconceito como eu fui. Mas, da mesma forma que a minha mãe, analfabeta, saiu de Pernambuco para criar oito filhos em São Paulo, eu queria provar para essa gente que eles não conseguiriam me dobrar diante do preconceito.”

No dia em que sempre comemorou seu aniversário, 27 de outubro, Lula ganhou seu maior presente ao completar 57 anos: realizar o sonho de tornar-se presidente. Para quem acredita em destino, como Lula, estava escrito nos céus que chegara a vez de a estrela do PT brilhar. Em 6 de outubro, data de nascimento que consta em sua certidão, sentiu o gosto, mas não pôde comemorar a vitória. O erro no registro deve-se a seu padrinho. “Sempre acreditei na palavra da minha mãe (dona Lindu), que me carregou na barriga durante nove meses e disse que nasci no dia 27”, conta. Dona Lindu sabia do que estava falando. “Eu só lamento que eu tenha chegado aonde cheguei 22 anos depois da morte de minha mãe”, disse, emocionado, depois de votar, numa escola em São Bernardo do Campo, na manhã do domingo 27. A mãe – que foi abandonada pelo marido – é a grande heroína do presidente eleito.

Antes de votar, Lula foi recepcionado no saguão de seu prédio por dezenas de crianças que cantaram Parabéns a você e o cercaram, pedindo beijos e abraços. Lula cortou um bolo enfeitado com 57 velinhas brancas. Ganhou de presente do senador Eduardo Suplicy um livro de poemas do americano James Farrell e outro de contos de Carlos Drummond de Andrade. Lula descansou à tarde no hotel Meliá, onde almoçou robalo com molho de alcaparras e salada verde e tomou uma Coca light. Enquanto isso, a voz das urnas lotava a avenida Paulista, que chegou a reunir 150 mil pessoas, e outras localidades nos quatro cantos do País para comemorar a vitória do petista. À noite, Lula fez um pronunciamento emocionado à Nação no hotel Intercontinental. Citou e agradeceu aos eleitores, aos companheiros de partido, como José Genoino e Benedita da Silva. Lula lembrou que incentivou Benedita a assumir o governo do Rio por nove meses para realizar “a maior conquista dos negros depois da libertação dos escravos”. Ele agradeceu citando nominalmente José Serra e o presidente do TSE, Nelson Jobim, pela forma como se comportaram no que chamou de “show de democracia”. Ao falar de FHC, ressaltou que o presidente até 31 de dezembro está à frente “da mais sensata e democrática transição já vista no nosso país”. O eleito falou em paz no Brasil e no continente americano por quatro vezes e finalizou: “A esperança venceu o medo. O Brasil votou sem medo de ser feliz.” Logo depois, deu um recado, em entrevista à Rede Globo, ao falar qual será sua relação com o sistema financeiro: “O mercado tem que saber que o povo pobre deste país tem que comer três vezes ao dia.” Já no início da madrugada da segunda-feira, Lula chegou à avenida Paulista, onde fez um discurso e garantiu que não trairá a confiança de seus eleitores: “Vamos continuar os mesmos.”

Quando virar a página dos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, em 1º de janeiro, Lula inaugurará um outro estilo de governo. O petista quer ser um presidente diferente de seus antecessores. Vai viajar pelo País, levar seus ministros para conhecer a dura realidade do Brasil, ver os problemas de perto, como ele sempre fez nesses anos todos, nas suas caravanas da cidadania: “Se os ministros da Fazenda, do Planejamento e o presidente do Banco Central, por exemplo, não conhecerem a realidade do País, vão ser meros burocratas, que vão trabalhar estatisticamente, sem lembrar que há homens e mulheres passando fome. Eles devem ser sensíveis e tomar decisões não somente baseados no que pensa o FMI.” Palavra de presidente eleito, um homem emocional, que se apega às pessoas e detesta a solidão. “O PT ou o presidente sozinhos não conseguirão ser diferentes do que foi a elite que governou o Brasil. A cada quatro meses, os governadores serão chamados a Brasília para conversar. Os governantes deste país vão passar a ter os ouvidos maiores do que as bocas porque eles costumam falar demais e ouvir de menos”, diz.

Conversar é o verbo mais conjugado pelo líder petista. Por isso insistiu tanto na formação de um governo de consenso nacional, inspirado no Pacto de Moncloa, implementado pelo primeiro-ministro espanhol Adólfo Suarez, em 1978, após a ditadura franquista. Partidos, sindicatos e outros setores da sociedade conseguiram fazer um acordo que construiu os alicerces para a nova democracia espanhola. O pacto proposto por Lula tem novo nome: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Há muito tempo ele acalentava a idéia de um acordo nacional. Outra palavra-chave de seu governo será planejamento. Lula sempre pregou a necessidade de se elaborar projetos de governo a longo prazo, não se limitando a quatro anos de mandato. Já avisou que o Ministério do Planejamento será todo-poderoso, que ditará os rumos estratégicos do País. Caberá ao ministro da Fazenda executá-los. Serão projetos de dez a 15 anos de execução, segundo Lula.

Os nomes da equipe econômica são aguardados com um alto grau de expectativa. Até agora, o máximo que Lula adiantou sobre o assunto é que seu ministro da Fazenda será um “nome auto-explicável”, que não precise ser pesquisado por jornalistas. Deve ser um nome muito conhecido dentro e fora do País e que não cause apreensões desnecessárias no mercado. Sobre o Banco Central, a idéia de Lula, discutida ainda durante a campanha com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), é seguir o modelo de autonomia do Banco da Inglaterra. O desenvolvimento regional também é uma tecla muito batida pelo petista. Um país com realidades diversas exige soluções diferenciadas. O combate à fome já foi anunciado por Lula: ele vai criar a Secretaria Nacional de Combate à Fome.

Para cumprir a tarefa de estimular a geração de empregos – sua obsessão juntamente com o combate à miséria –, Lula terá que encontrar formas de aquecer a economia e estimular o crescimento. Uma delas já começou a ser estudada, junto com integrantes do mercado de capitais. Lula está disposto a liberar verbas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a compra de ações. Seria uma forma de as empresas se financiarem através do mercado de capitais. O novo governo também vai injetar todo o gás na criação de fundos de pensão, como instrumento para aumentar a poupança interna. As reformas tributária e previdenciária deverão ser tocadas com prioridade nos primeiros seis meses de governo, aproveitando o embalo inicial de sua força política. Modificar o orçamento do ano que vem é outra medida urgente para o novo governo. A intenção é reduzir despesas com o custeio da máquina federal para que sobre dinheiro para os projetos sociais.

Os petistas que já se dedicam à transição começam a advertir para a necessidade de apertar os cintos no começo. Refrear expectativas é a palavra de ordem do momento. O projeto de aumentar o salário mínimo para R$ 240, por exemplo, pode ter que esperar. Carinhoso com seus colaboradores, no estilo paz e amor como foi na campanha, o petista, no entanto, não abre mão do jeito exigente de ser. Ministro seu que não trabalhar direito não terá lugar ao sol. Lula avisa que será implacável. “Cada um dos meus ministros terá um plano de meta, e a cada 45 dias eu quero todos na minha mesa para saber como estão cumprindo suas tarefas.” Lula não foge à luta. “Eu não sei trabalhar se não for cobrado. Conheço governantes no mundo todo e no Brasil. Se o povo não cobrar, eles são induzidos a achar que estão certos. As pessoas que cercam o governante não trazem notícias ruins para não desagradá-lo. A força do poder é uma coisa impressionante”, observou Lula.

O velho sonho de construir uma coalizão de centro-esquerda, com o apoio do PMDB e até do PSDB de José Serra, está mais vivo do que nunca no imaginário de Lula. Ele pretende procurar o próprio Serra para conversar. Sua habilidade de negociador que tanto funcionou na campanha promete continuar na transição. Mas os pefelistas já vêm sinalizando que, pela primeira vez na história, vão deixar de ser governo e aprender a ser oposição. “O PT e o PFL têm programas antagônicos. O discurso moderno leva o PFL a distanciar-se de políticos que se recusam a enfrentar o desafio da globalização e que se negam a considerar que o mercado é o mecanismo de riqueza que se conhece”, comentou o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), em artigo escrito para o boletim mensal Brasil 21, um forum mensal de política e economia publicado pela Editora Três.

Derrota anunciada – Desde o começo da última semana, lideranças do PSDB e os publicitários responsáveis pela campanha de Serra já estavam conformados com o inevitável. Nos bastidores, assumiam que já foi uma vitória a chegada do ex-ministro da Saúde de FHC ao segundo turno. Serra, um notívago assumido, votou às 10h no Colégio Santa Cruz, em Pinheiros, ao lado do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). O isolamento de Serra, registrado ao longo de toda a campanha, se repetiu no domingo. As atrizes Regina e Gabriela Duarte foram as únicas visitas ao tucano durante todo o dia. Serra só admitiu a vitória de Lula às 21h10, quando ligou para o petista para cumprimentá-lo e desejar-lhe boa sorte na condução do País. Eles conversaram amistosamente por três minutos. Lula elogiou o comportamento de Serra na campanha – “você foi um adversário muito leal” – e combinou um encontro entre ambos após a viagem que o tucano fará nos próximos dias para a Europa. Já no pronunciamento oficial feito do QG do PSDB, Serra deu o tom que estará na oposição ao não citar o nome de Lula, preferindo chamar o presidente eleito de adversário. Em seguida, desejou publicamente “boa-sorte ao vencedor na condução dos destinos do nosso Brasil e no cumprimento das promessas e compromissos de campanha que ele assumiu”.

Apesar de não ter conseguido eleger seu candidato, FHC saiu-se bem no processo eleitoral. Os próprios petistas fizeram questão de elogiar a postura do presidente. Afinal, apenas dois presidentes eleitos pelo povo passaram a faixa para seus sucessores: Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek. O terceiro será FHC, que conseguiu produzir uma transição tranquila justamente no momento da maior conquista da esquerda latino-americana desde a vitória do socialista Salvador Allende, no Chile, 32 anos atrás. O número de presidentes que o Brasil já teve varia, dependendo da interpretação. ISTOÉ adotou o critério do conceituado historiador Hélio Silva, segundo o qual houve 29 presidentes até Fernando Henrique. Ele desconsidera, por exemplo, a junta militar formada por Augusto Rademaker, Aurélio Lyra Tavares e Márcio de Sousa Melo, que assumiu o poder durante alguns meses no ano de 1969, em meio à ditadura.

Antes de vestir a faixa, Lula terá muito trabalho no período de transição. O Planalto concedeu ao petista uma equipe com 50 pessoas, pagas pelo Tesouro. Elas vão ocupar dez salas do Centro de Treinamento do Banco do Brasil. O gesto simbólico de franquia de um governo para o outro acontece nesta terça-feira 29, quando Fernando Henrique vai receber Lula no Planalto para uma primeira conversa privada. O presidente eleito receberá as senhas de acesso ao portal da internet que conta a história dos últimos oito anos de governo. Agora, caberá a Lula arregaçar as mangas. Não pode perder tempo e esperar até janeiro. Sua intenção, inclusive, é fazer pelo menos uma viagem internacional antes da posse: para a Argentina, a convite do presidente Eduardo Duhalde. “Cada vez mais, sinto nas costas o peso da responsabilidade. Mas não pensem que isso está me fazendo ter menos vontade de carregar mais peso. Sabe por quê? Porque eu esperei muitos anos. Eu tenho que provar que nós seremos capazes de fazer neste país em quatro anos o que eles não fizeram em oito. Não esperem um milagre de mim. Esperem que eu seja apenas o interlocutor, o facilitador para que as coisas possam fluir”, dizia Lula.

Nas ruas, ele já percebia um clima diferente do primeiro turno. Além do assédio maior, a ponto de ter sido mais disputado do que o Rei Pelé numa viagem de avião entre São Paulo e Rio na sexta-feira 25: “Sentimos que não eram somente os simpatizantes e militantes que o recepcionavam nas ruas. Eram pessoas de todos os tipos, que ultrapassavam as fronteiras partidárias. Percebemos que se formou um verdadeiro movimento cívico em torno do Lula”, contou o economista José Graziano da Silva, que o acompanhou em quase todo o périplo eleitoral, que durou 147 horas de avião, percorrendo 61.127 quilômetros desde 6 de julho, quando começou a campanha eleitoral. Todos os atos de Lula passaram a ser filmados, ainda antes do primeiro turno, pelas câmeras do cineasta João Moreira Salles. Ele e o documentarista Eduardo Coutinho preparam um filme sobre a campanha. Ao fim da jornada, Lula estampava o cansaço, mas uma felicidade contagiante no rosto. Desesperava seus seguranças porque mergulhava entre os simpatizantes para distribuir beijos e abraços. “Ruim vai ser o dia em que não tiver isso”, comentou a ISTOÉ. Às 17h, quando foi anunciada a pesquisa Ibope de boca de urna (63% contra 37%), como presidente eleito, Lula disse emocionado a seu companheiro José Dirceu que seria “presidente em nome da nossa geração, que tanto lutou em nome da democracia”.

Colaboraram: Luiz Claúdio Cunha (DF), Juliana Vilas e Madi Rodrigues (SP), Francisco Alves Filho, Liana Melo e Marcos Pernambuco (RJ) e Neila Fontenele (CE)

 PT QUER ADIAR A POSSE

Imagine a cena: o presidente Lula, tendo de um lado o barbudo Fidel Castro em uniforme de gala e de outro Hugo Chávez com sua boina vermelha. Na posse, na manhã sonolenta de 1º de janeiro de 2003, os polêmicos presidentes de Cuba e da Venezuela podem ser as estrelas solitárias de um evento que deveria ser a consagração internacional da estréia do PT no poder. Sob o risco de tal fiasco diplomático, o partido exibe os punhos de renda para não deixar só, e mal acompanhado, o companheiro Lula. Na manhã da quarta-feira 23, o homem forte do governo que entra, José Dirceu, telefonou para o homem mais forte do governo que sai, Fernando Henrique Cardoso. “Presidente, precisamos da sua ajuda para mudar o dia da posse”, pediu o presidente do PT, explicando a preocupação com a imagem do novo governo. FHC concordou e prometeu se empenhar junto às lideranças para aprovar a alteração, mas deixou claro: “O que eu queria, mesmo, era antecipar a posse.”

 

O primeiro a se preocupar com a posse no primeiro dia do ano foi o governador eleito de Minas Gerais, Aécio Neves. Há um mês, ele propôs um adiamento de seis dias – o que jogaria a posse para a segunda-feira 6. Na semana passada, num almoço no Itamaraty com embaixadores de 35 países das Américas, Aécio foi cercado por diplomatas angustiados em  convencer seus presidentes para uma longa viagem até Brasília em pleno Ano Novo. “Estou tentando. O PT concorda com a mudança, mas é preciso um amplo entendimento”, respondia o presidente da Câmara. O problema é que mudar a data da posse só é possível por emenda constitucional, que exige 3/5 dos votos do Congresso. Fortalecido pelo ntendimento entre Dirceu e FHC, Aécio se anima: “A presença dos líderes dos países mais importantes da América e da Europa é fundamental para consolidar a imagem externa do Brasil e destacar a força da transição democrática.”

Novo rumo para a américa latina

Lula não é extremista, não é comunista e aos poucos o mercado vai se acalmar. No primeiro ano, não haverá grandes mudanças em relação ao que foi feito por FHC. O que o mercado internacional quer saber não são apenas os nomes do próximo ministro da Economia e do Banco Central, mas como ele vai lidar com alguns compromissos com os órgãos financeiros. Lula não terá outra alternativa a não ser negociar. Ele já se mostrou um bom político, um bom negociador.” A frase dita a ISTOÉ é de Francisco Panizza, do Departamento de Estudos Governamentais da London School of Economics, e confirma a reportagem escrita pela renomada revista britânica Economist. “O sr. da Silva precisa convencer os investidores que ele não estará abandonando as reformas econômicas”, afirmou a revista. Já o jornal britânico Financial Times afirmou que o PT tem sido um bom administrador nas cidades e em Estados brasileiros. “O PT está também fazendo alianças com empresários e políticos mais experientes”, disse o FT. Para Panizza, o fato de Lula ser de esquerda deverá refletir em toda a política da América Latina. “Vão estar todos de olho. Como disse uma vez o ex-presidente Richard Nixon, para onde for o Brasil, se inclinará o resto da América Latina.”

Para o New York Times, “a vitória de Lula representa uma virada para o Brasil e para a América Latina, onde o poder tradicionalmente foi dos militares ou de uma pequena elite rica”. Já o periódico francês Le Monde afirmou que Lula terá que “combinar a solidariedade com o crescimento, a proteção à população mais carente com a abertura de fronteiras e o abandono do ultraliberalismo sem cair no populismo e no protecionismo”. “Enfim”, resume o Le Monde, trata-se de tornar o Brasil “europeu”. O argentino Clarín cita uma entrevista do Luís Dulci, secretário-geral do PT, em que ele afirma que a Argentina “não é um problema, mas parte da solução” para o Mercosul. O espanhol El Pais lembra que a chegada de Lula da Silva ao governo “consolida a institucionalidade democrática” e lembra que ele será o primeiro presidente eleito desde 1961 a receber a faixa presidencial de outro presidente eleito. O reverendo americano Jesse Jackson, que conheceu Lula em 1994, afirmou a ISTOÉ que a vitória do petista tem o sentido de uma vitória para o movimento negro brasileiro e internacional. “É uma vitória da democracia e representa esperança de dias melhores para os negros do Brasil.”
 

A AGENDA ESTRATÉGICA

A agenda dos primeiros 100 dias do governo Lula prevê compromissos estratégicos que poderão influir no resto do mandato. Um deles é o da revisão do acordo com o FMI, em março. A negociação começará em dezembro próximo, para ser fechada em março. A tendência de Lula é tentar alongar os prazos de pagamento da dívida. O novo presidente ainda vai receber uma sobra: FHC deixou para Lula a nomeação do primeiro presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, a escolha do modelo da televisão digital brasileira, a assinatura do contrato para a aquisição dos novos caças da Aeronáutica e o contrato para a Eletronuclear realizar a obra da usina Angra-III. Tão importante quanto o acordo com o FMI é a montagem da estratégia diante da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), cuja implantação é conduzida pelo secretário do Tesouro americano Paul O’Neill. A negociação do modelo americano de comércio vai transcorrer durante todo o ano, mas já em fevereiro o Itamaraty e a área econômica terão de apresentar suas propostas. A Alca, que contou com o apoio entusiástico do Planalto, terá de passar por negociações bilaterais que evitem prejuízos. Para o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, punido por ter feito restrições à Alca, “a ameaça é tornar o Brasil tão dependente de importações como na década de 30”. Na área de energia, a prioridade será garantir uma oferta que evite a repetição da crise de 2001. A construção de Angra-III tem chances de ser aprovada. Nos três primeiros meses será preciso também renegociar o contrato com a Bolívia para o fornecimento do gás natural. Para assessores de Lula, o contrato tornou oneroso demais o gás fornecido pelos bolivianos. A tal ponto, argumentam, que não se pode descartar o projeto de Angra-III. Outro item será a revisão da política da Petrobras, para que as plataformas marítimas sejam encomendadas a estaleiros brasileiros. No entanto, Lula não pretende adotar reserva de mercado para os estaleiros. Na área militar, quer fortalecer, nos primeiros 100 dias, os centros de excelência e apoiar as tropas para forças de paz da ONU.