O ano começou com um gosto amargo para a Nestlé do Brasil. Além de ter vetada a compra da Chocolates Garoto, na semana retrasada, a gigante da área de alimentação está sendo processada por supostamente fraudar datas
de validade de alguns produtos da linha PowerBar (espécie de complemento alimentar
em forma de barras energéticas e gel). A ação, que corre no fórum de Santo Amaro, em São Paulo, desde outubro de 2003, pode chegar
a R$ 4 milhões. Quem reclama a indenização é um ex-distribuidor da marca, a Leppin Heavy Importação e Exportação.

O episódio começou em maio do ano passado, quando a Nestlé decidiu prorrogar as datas de validade impressas nas embalagens dos produtos fabricados pela Power Food, uma empresa com sede nos Estados Unidos e adquirida pela matriz suíça em 2001. Etiquetas adesivas com as novas informações foram coladas sobre a data antiga. Em comunicado à Leppin, em agosto, a empresa admitia que estava adotando a colagem de etiquetas para “traduzir” e alterar a data de validade original e que todo o processo estava sendo realizado no seu centro de distribuição.

O problema é que a legislação não permite alterar a data de validade
sem autorização dos órgãos competentes. “A empresa não pode
sobrepor uma data a outra sem consultar a autoridade sanitária”,
atesta Antônia Maria de Aquino, gerente de produtos especiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão considerou o ato da Nestlé como fraudulento por alterar informações obrigatórias e infringir a Resolução RDC 259/2002, da própria Anvisa, e a Lei nº 8.078/90, que criou o Código de Defesa do Consumidor.

A 6ª Delegacia Seccional de Polícia de Santo Amaro também abriu inquérito policial para investigar a denúncia de crime contra o
consumidor, depois de apreender vários produtos com data de validade adulterada em estabelecimentos da zona sul de São Paulo. Os produtos foram encaminhados à perícia técnica e os policiais passaram a tomar depoimentos de funcionários e ex-funcionários da multinacional suíça. A Nestlé acabou demitindo dois dos principais responsáveis pela operação de colagem das etiquetas com datas alteradas, o diretor de Nutrição, Paulo Gallo de Castro, e o gerente de marketing da linha PowerBar, Frederico Aniya. Já o gerente da linha de cereais, com mais de dez anos de casa, foi transferido para a fábrica da Garoto no Espírito Santo.

“Eles adotaram a estratégia comercial de inflar as vendas e começaram a faturar grandes quantidades dos produtos aos seus distribuidores, comprometendo-se a substituir os que tivessem seu prazo de validade expirado”, acusa Roberto Chazan, diretor comercial da Leppin e autor da ação. Dias após a retirada dos produtos, conta Chazan, a empresa os substituiu por lotes compostos pelos mesmos produtos vencidos, porém, com etiquetas adesivas sobrepostas
à data de validade antiga, alongando em até seis meses o vencimento original. Em alguns dos produtos a data de validade original permaneceu visível sob a etiqueta.

Carlos Faccina, diretor de assuntos corporativos da Nestlé, diz que a colocação de novas etiquetas de datas de validade não é ilegal, embora reconheça que esteja fora dos padrões de qualidade da empresa. “Pensamos em fazer um recall, mas acabamos recolhendo os produtos.” “É o que eles deveriam ter feito para refazer a data de validade”, afirmou Willian Cezar Latorre, da divisão de produtos especiais do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde de São Paulo. Ele confirma que a empresa não tem autoridade para fazer o que fez sem consultar os órgãos do setor. Faccina alega também que a Leppin tem uma dívida de cerca de R$ 300 mil com a Nestlé e que a ação movida pela empresa é uma forma de pressão para não pagar o que deve. Chazan retruca, dizendo que a Nestlé quer cobrar por um produto impróprio para consumo. Só a Justiça dirá quem tem razão.