As praias cariocas se transformaram, neste verão, em palcos naturais de manifestações artísticas. Esculturas de areia, “estátuas vivas” e teatros de marionete dividem as atenções de turistas e moradores. Espectadores privilegiados, especialmente crianças, engarrafam o calçadão para admirar personagens talentosos como o argentino Sérgio Rafael Astete, 33 anos, que improvisou um ateliê ao ar livre para erguer esculturas de areia. Usando apenas pincel e areia úmida para esculpir principalmente animais, sua paixão, ele coleciona admiradores por várias praias da América Latina. “Ao fazer um cavalo ou um touro cheio de detalhes, sei que as crianças passarão a admirá-los e respeitá-los. Se cada um fizer sua parte, um dia a natureza poderá ser menos explorada”, acredita.

Perfeccionista, Astete gasta até oito horas para esculpir um animal
em tamanho natural. O preciosismo, que ressalta os detalhes da
anatomia e até o brilho nos olhos, impressiona, e as contribuições
não param de pingar numa caixinha na qual se lê: “Thanks for your contribution”. Com o português, o inglês e o francês cheios de sotaque portenho, ele se apresenta como autodidata. Aprendeu a arte aos
seis anos, frequentando a praia em companhia do pai.

E foi justamente a paixão pelas esculturas que mudou a vida do carioca Carlos Wagner Pítar de Lima, 28 anos. Aos sete, teve sua caixa de engraxate roubada e passou a morar nas ruas para economizar a passagem para a Baixada Fluminense. Aprendeu a transformar a areia em arte, e as obras efêmeras passaram a ser a principal fonte de renda da família – pai, mãe e irmã. Na escola da vida, Carlos desenvolveu a consciência social e aprendeu a ganhar dinheiro aperfeiçoando a habilidade. “A escultura é uma terapia que ajuda a tirar os jovens da marginalidade. Sonho com um patrocínio para reintegrar crianças carentes”, diz ele.

Enquanto o nobre desejo não se concretiza, ele mantém nas areias uma espécie de escola de vida e arte para jovens de rua e outros interessados. Os amigos André Luiz da Silva, 28 anos, e Márcio Heriberto da Silva, 31, que moravam em Curitiba, se tornaram artistas com seus ensinamentos. Os dois caminharam – isso mesmo, andaram a pé – do Paraná até o Rio de Janeiro para aprender a fazer esculturas. “Tentamos carona, mas ninguém parava. O jeito foi encarar uma longa caminhada”, conta Márcio. Após três semanas e cinco dias, chegaram com os pés em carne viva. “Tudo vale a pena para vencer na vida”, afirma André.

A bola não poderia ficar de fora do palco das areias do Rio. O carioca Fábio Santos impressiona ao fazer embaixadinhas com bolas, abóbora, ovo e outros alimentos. Seu “palco” no calçadão lembra uma barraca de feira. Reprovado em diversos testes para se profissionalizar no futebol, Fábio emprestou a habilidade à arte. O sucesso não tardou: já fez apresentações nos programas Caldeirão do Huck, Domingo legal e Fantástico. Aos 23 anos, o menino humilde, que já vendeu algodão-doce na rua, ganha cerca de R$ 80 por dia e quer mostrar seu talento no Exterior. “Conseguir um empresário e viajar para a Europa é um sonho. No Brasil, meu trabalho é pouco valorizado”, reclama. O cearense Lion Saraiva também deixa multidões boquiabertas. Aos 50 anos, o “rei das embaixadas” – título conquistado no programa Esporte espetacular, da Rede Globo – diz que seu objetivo maior é bater o recorde mundial de 19 horas. “Já cheguei a ficar 15 horas”, gaba-se.

Estátuas vivas e teatros de marionetes também dividem as atenções no espetáculo das praias cariocas. A ex-secretária executiva Elaine Cristina Nobre, carioca de 30 anos, atrai o público com o “congelamento” total dos movimentos. O trabalho, que muitos acham ser apenas psicológico, também exige resistência física. “Depois de muito tempo parada, os músculos começam a adormecer. A dor é insuportável”, explica Elaine, que chegou a ficar meia hora imóvel. Amante da moda, cria e pinta seus figurinos e ganha até R$ 600 por mês.

O estudante Rafael Arbex, 23 anos, de São Paulo, que não perde um verão carioca, é um dos espectadores impressionados, especialmente com as estátuas vivas e os teatrinhos de marionetes. “Com as artes completando a paisagem, a cidade ficou ainda mais maravilhosa”, diz. Depois de ver um teatro de marionetes, ele observou atentamente o trabalho de Elaine. “Não consigo imaginar como alguém consegue ficar tanto tempo imóvel”, admirou, antes de dar um mergulho em Copacabana e seguir correndo para o Leblon, entre estátuas vivas, esculturas, marionetes, malabares, embaixadinhas e, claro, garotas de Ipanema.