Segurança, respeito e compreensão em doses duplas. É disso que Iruan Ergui Wu, oito anos, vai precisar para se readaptar bem à nova vida no Brasil. A tumultuada volta do garoto, órfão de uma brasileira e de um taiwanês, simboliza o fim de uma agonia de quase três anos para Rosa Leocádia Ergui, 50 anos, sua avó materna. Em 2001, o menino foi com o pai visitar os parentes em Taiwan. Desde então, a família Ergui protagonizou uma saga, com direito a batalha jurídica, diplomática e até a uma campanha de boicote aos produtos de Taiwan. Em dezembro de 2003, em decisão irrevogável, a Corte Suprema daquele país deu a tutela de Iruan a Rosa e ordenou que a família Wu entregasse o menino às autoridades brasileiras em 20 dias. O tio taiwanês não cumpriu a determinação. Na segunda-feira 9, a polícia foi acionada e, numa cena dramática, televisionada pelas emissoras taiwanesas, Iruan foi retirado à força da casa dos tios. Sob a responsabilidade do representante do Brasil em Taiwan, ele embarcou para o Brasil acompanhado de uma tia e uma intérprete. Ele chegou na quinta-feira 12 em Porto Alegre, onde foi recepcionado com festa pela família gaúcha e pela torcida organizada do Grêmio, time do qual é torcedor. Ou pelo menos era até 2001.

Terminado o imbróglio, o novo desafio da família gaúcha agora é ajudar o garoto a se readaptar. “Ele passou três anos lá, o que é muito tempo para uma criança. É fundamental que as referências que ele adquiriu sejam respeitadas”, aconselha Ana Luiza Castro, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia. Ela alerta ainda que não há como definir quanto tempo Iruan vai levar para se adaptar e que traumas o garoto, orfão de pai e mãe, pode vir a ter. “É preciso deixá-lo em paz para reconstruir suas relações, no seu tempo. Auxílio profissional é bom, mas nem isso pode ser imposto”, completa. A psicóloga Maria Helena Franco, do laboratório de estudos sobre o luto da PUC-SP, acredita que ele vai lidar bem com a diferença cultural. Para ela, o mais importante é que ele se sinta seguro. “Não devemos valorizar muito a troca de países porque Iruan é fruto de uma união de duas etnias. Segurança é a palavra-chave. Ele precisa se sentir incluído”, explica. Maria Helena compara o caso de Iruan ao de crianças que sofrem com a guerra, sobretudo as que perdem os pais. “Só um acompanhamento psicológico pode verificar a extensão do dano causado por tantas perdas. É ideal que ele mantenha contato com a família de Taiwan. Não dá para quebrar esse vínculo”, garante.

Iruan é fruto de um namoro entre
a gaúcha Maria Tavares Ergui
e o marinheiro Teng-Shu Wu,
que se conheceram no Uruguai, onde ele vivia. Maria engravidou e teve o filho em Porto Alegre, onde morava com a mãe. Ela morreu em 1998, aos 23 anos, de leucemia, quando o menino tinha apenas dois anos. A criança ficou com a avó Rosa, que, duas vezes por ano, o levava a Montevidéu para ver o pai. Um ano antes de morrer, Teng-Shu passou a guarda do filho para a avó, comprou uma casa em Canoas e a registrou no nome de Iruan. Em 2001, o pai levou Iruan para conhecer os parentes em Taiwan. Eles voltariam em duas semanas, mas dias depois Teng-Shu morreu de causa desconhecida enquanto dormia. Seu irmão Huo-Yen decidiu ficar com o sobrinho, dando início ao pesadelo de
Rosa. No mesmo ano, ela viajou para Taiwan e entrou com processos na Justiça de lá e daqui. Em Canoas, organizou uma frente de batalha pela volta do neto ao Brasil.

Enquanto isso, Iruan chegou a ser naturalizado taiwanês. A família Wu ofereceu a Rosa parte da herança de Teng-Shu em troca do garoto, aumentando a indignação da avó. Antes de embarcar no vôo que o traria de volta, avó e neto conversaram por telefone. Ele disse, em português, que estava com saudade e queria estar com ela. Na quinta-feira 12, a pequena Canoas era só festa. Rosa preparou os pratos de que o neto mais gostava: brigadeiro e bolinho de arroz. Domingo 15, seria a vez de o irmão mais velho, João Laurio, matar as saudades: eles planejavam assistir ao clássico gaúcho Grêmio x Internacional.