A defesa do espaço aéreo brasileiro é tarefa de uma equipe de 19 pilotos da Força Aérea altamente treinados e motivados, lotados na Base Aérea de Anápolis, em Goiás. Mantidos em estado permanente de prontidão, eles fazem turnos de 24 horas de alerta, junto a jatos prontos para decolar dois minutos após uma ordem enviada pelo Comando de Defesa Aérea, sediado em Brasília. Toda essa eficiência esbarra em um problema: os aviões empregados são os velhos Mirage III-E, em serviço há mais de 30 anos e já obsoletos em termos de missões de combate e interceptação aérea. Até dezembro de 2005, esses veteranos Mirage, que foram considerados os melhores jatos de combate do mundo na década de 60, serão desativados, diante da impraticabilidade de ficarem em uso por mais tempo. A única saída é ter novos jatos, o chamado programa F-X, lançado pelo Ministério da Defesa e que prevê a compra de 12 caças modernos, atendendo às necessidade do País por pelo menos 20 anos. Os principais concorrentes são o Mirage 2000-5, do consórcio Embraer(Brasil)/Dassault(França), o Sukhoi-35, do consórcio Avibrás(Brasil)/Sukhoi(Rússia), e o Gripen, de um consórcio sueco/britânico. Correm por fora o russo MIG-29 e o americano F-16.

A compra, qualquer que venha a ser o escolhido, é tão milionária quanto necessária. Isto porque, apesar de verdadeiros museus voadores, nossos atuais Mirage são o ponto central na defesa do País e, principalmente, de Brasília. Fora de linha há mais de uma década, nem a Dassault, seu fabricante na França, tem as peças de reposição necessárias. Para mantê-los no ar, a FAB precisa, além do talento de seus pilotos, fazer mágica na busca de peças e equipamento mundo afora, garimpando em uma espécie de “desmanche” internacional de aviões desativados. “Manter o Mirage operando é cada vez mais caro. Algumas peças só existem nas mãos de atravessadores, que cobram o que querem”, explica o tenente-coronel Heraldo Luiz Rodrigues, comandante do 1º Grupo de Defesa Aérea. Piloto experiente, com muitos anos usando os Mirage, o coronel Heraldo admite que todo o talento de seus comandados já foi superado na guerra moderna pelos avanços tecnológicos dos aviões mais novos. O radar do F-103 (nome-código do Mirage), que alcança no máximo 11 quilômetros e só consegue fechar em um alvo, é um bom exemplo. Já o Mirage 2000-5 tem radares que alcançam mais de 100 quilômetros. “Na prática, isso significa ir para o céu e acabar atingido por um míssil desses aviões, muito antes de ter conseguido detectar o inimigo em meu radar”, explica o comandante.

Junto com o próprio avião, que ainda tem comandos hidráulicos e instrumentos analógicos, sem nada da revolução feita pelos computadores nos últimos 20 anos, o radar é uma peça de museu: usa válvulas e transistores, como os rádios e tevês conhecidos apenas por quem tem mais de 40 anos. Não dispondo de computadores capazes de controlar o seu vôo, o Mirage, avião que chega a 2.230 quilômetros por hora, quase o dobro da velocidade do som, obriga seus pilotos a prodígios de técnica na pilotagem. Um jato moderno permite ao piloto visualizar no mínimo seis alvos ao mesmo tempo em seu radar. Com base nessas informações, projetadas a seu redor na cabine, o piloto lança seus mísseis enquanto o computador mantém o avião no ar. “Um piloto, hoje, é um gerenciador de um teatro de operações de combates simultâneos. A pilotagem é usada nas manobras mais radicais. O nosso Mirage não tem esses recursos”, lembra o comandante da Base de Anápolis, coronel Cícero Ceccatto, também um experiente piloto do caça.

Outro exemplo de nossa caduca defesa é o jovem tenente Renato Leal Leite, 29 anos. Ser piloto da FAB foi a realização de um sonho infantil. Ele tinha apenas dois anos quando foi morar na base, acompanhando o pai, o tenente Antônio Leite. Só não imaginava que, mais de 25 anos depois, fosse usar os mesmos jatos que o pai, o hoje brigadeiro Leite. Há quatro anos em Anápolis, Renato já acumula cerca de 300 horas de vôo em jatos mais velhos do que ele e torce para estar voando, dentro de poucos anos, em aviões do século XXI. Os pilotos convivem com outra rotina pouco agradável, as constantes panes dos aviões. A saída é o rigor nas inspeções antes dos vôos. “A norma é defeito zero para um avião decolar”, explica o coronel Heraldo. ISTOÉ viu de perto esse tipo de situação. Os dois jatos de dois lugares que estavam destinados à equipe para a reportagem na semana passada deram pane pouco antes da partida. Na verdade, dos 13 jatos em uso (há mais três fazendo revisão total, com seis meses de duração) na quinta-feira 5, somente um, o em alerta de 24 horas, mantinha condições de vôo.

Todo o rigor não impede que ocorram acidentes. No dia 7 de março do ano passado, o tenente Ricardo Cabral da Silva, 29 anos, que fazia o turno de alerta, decolou com um Mirage e, quando ainda estava a menos de 200 metros de altura, a 360 quilômetros por hora, viu o jato perder potência, altura e velocidade. Em questão de segundos, na base do instinto aguçado pelo treinamento em simulador de vôo, ele ejetou o assento. Estava tão baixo que a torre de comando não viu o pára-quedas abrir. “Perdi um piloto”, pensou o coronel Heraldo. Mas Cabral saiu ileso, caindo com a cadeira no solo, pouco atrás do jato. Vinte dias depois, estava de volta aos vôos. “Agora, tenho duas datas de nascimento, 15 de maio e 7 de março, quando nasci de novo. E minha segunda mãe, a cadeira ejetora, está na sala de casa”, comenta. Cabral agora faz parte de uma confraria de mais de cinco mil pilotos que se ejetaram de jatos acidentados e sobreviveram. Mas a Base Aérea de Anápolis não se resume aos pilotos altamente treinados em uma filosofia de excelência e a jatos arcaicos. O futuro, sob a forma dos aviões-radar R-99, fabricados pela Embraer e já vendidos para a Grécia e o México e em negociações para a África do Sul, a Itália e até os Estados Unidos, já chegou. Segundo o tenente-coronel Máximo Ballatore, comandante do grupo de oito aviões e também piloto de Mirage, agora só falta a vinda dos novos jatos para que a defesa do espaço aéreo brasileiro chegue aos padrões de excelência dos países mais desenvolvidos.

 

No limite da tecnologia

O mais novo fruto da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A (Embraer) será apresentado na segunda-feira 9, em São José dos Campos (SP), com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se do EMB 190, um jato com capacidade para transportar de 98 a 108 passageiros, que já nasce como um sucesso de venda, capaz de colocar a indústria nacional em lugar ainda mais destacado no restrito mercado mundial da aviação comercial. O avião, de 36,24 metros de comprimento e autonomia para 3.960 quilômetros, deixará a linha de montagem com 100 unidades já vendidas à JetBlue Airways, uma das maiores empresas de aviação regional dos Estados Unidos, que, entre fevereiro de 2000 e dezembro do ano passado, transportou 13 milhões de pessoas. O negócio de US$ 3 bilhões marca apenas o início da história do EMB 190. Além dos 100 aviões já comercializados, a companhia americana manifestou interesse na compra de outro lote similar e a Air Canadá pretende adquirir outros 45 jatos. Os aviões que começarão a ser entregues à JetBlue Airways no começo do próximo ano serão montados com 100 assentos revestidos em couro, dispostos em fileiras de quatro lugares separadas umas das outras a uma distância de 81 centímetros. Cada assento terá um monitor de tevê via satélite.

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Com o lançamento do EMB 190, a Embraer, empresa que gera mais de 13 mil empregos diretos e outros 150 mil indiretos, praticamente esgota um vitorioso processo de transferência tecnológica que teve início na década de 80 com o projeto AMX desenvolvido em parceria com a italiana Aermacchi. “A partir do AMX houve uma revolução de engenharia e uma revolução industrial. Passamos a trabalhar com a tecnologia do jato. Agora, precisamos de novas tecnologias para continuar a crescer”, diz Maurício Botelho, presidente da Embraer. Ele aposta que a licitação em fase final para a compra de novos caças para a Força Aérea Brasileira possa assegurar esse futuro. “Não podemos abdicar de colocar o Brasil como um dos líderes mundiais do mercado de aviões.”

Mário Simas Filho


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