Na noite da quarta-feira 4, a antiga cúpula do PMDB se encontrou acidentalmente no badalado restaurante Piantella, um reduto de políticos em Brasília. O trio – Renan Calheiros (AL), líder do partido no Senado, Geddel Vieira Lima (BA), ex-líder, e o presidente Michel Temer (SP) – brigou feio depois que Renan se aliou ao senador José Sarney (AP) para levar o PMDB ao berço esplêndido do governo. Renan foi acusado de traição pela antiga direção, consolidada na era Fernando Henrique Cardoso. Geddel Vieira Lima é um ferrenho opositor de Lula e Michel Temer quase foi defenestrado da presidência do PMDB, por orientação do Palácio do Planalto, exatamente porque é muito ligado ao ex-líder do partido.

Nesse processo, que durou um ano até o embarque do PMDB no
governo, os dois grupos se acusaram mutuamente e os ressentimentos
se acumularam. Geddel chamava seu antigo companheiro de “fisiológico
e Renan retribuía dizendo que Geddel “pensava pequeno”. O último embate entre os dois grupos explodiu quando Sarney alinhavava nos subterrâneos a filiação do grupo do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) ao PMDB, que na Bahia é presidido por seu arquiinimigo Geddel Vieira Lima. “Se ele vier, eu viro um unabomber. Não brinquem comigo”, ameaçou Geddel. “Pois eu não tenho medo. Avalizo a filiação de ACM e ponto final”, respondeu Renan.

No encontro casual, os dois, que não se viam nem se falavam havia meses, trocaram farpas pesadas. “Renan, esse cara (ACM) ofendeu muito o partido. Chamou o Jader Barbalho de ladrão, o Michel de mordomo de filme de terror, o senador Ramez Tebet de rábula do Pantanal. Não dá para ele vir”, desabafou Geddel. “Geddel, nós temos que reconstruir a unidade. Eu fiz você primeiro-secretário da Câmara quando o governo Lula vetava. Além disso, tem quatro governadores querendo se filiar ao partido, entre eles o Paulo Souto (governador da Bahia, do PFL)”, argumentou Renan. “Aí tem conversa, esse seria um up-grade para o partido.” As estocadas cessaram e os ânimos esfriaram quando Renan distensionou a conversa: “Geddel, não provoque. Inimigos custam caro e eu estou em contenção de despesas.” Todos riram muito, mas a cena está longe de representar a reunificação do partido.

O próximo racha público do partido já tem data marcada para acontecer. A convenção para escolher a direção partidária está marcada para o dia 15 de março. O deputado Michel Temer, que se aproximou do grupo fiel ao Palácio durante a reforma ministerial, acha que conseguiu suspender
o veto do governo e já se lançou candidato à reeleição da presidência
do partido. A idéia de Renan e Sarney era alojar Michel na liderança da Câmara e afastá-lo da presidência. Mas o novo ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE), defende que Michel seja reconduzido. Ou seja, para afirmar seu poder perante o governo, a
dupla Renan-Sarney vai ter que bater de frente com Eunício. Se o
Palácio pender para um lado ou para o outro, a confusão estará armada. No encontro da última semana, Michel Temer, um político sóbrio e comedido, desinibiu-se: “Renan, eu tenho seu apoio para presidente?”. “Michel, você pode ter certeza que eu não disputo com você”, desconversou o líder, frisando que só se lançaria à presidência
do partido se fosse por consenso.

O governo está preocupado e acompanhando os movimentos dessa crise iminente. Afinal, depois de entregar dois ministérios para o lado hegemônico do PMDB – Comunicações e Previdência, que ficou com o senador Amir Lando (RO) – o Planalto corre o risco de ter o apoio de uma legenda rachada. No Congresso, a indicação para a liderança do governo, cargo ocupado até agora pelo PMDB, pode gerar um desgaste para a dupla Renan-Sarney se o nome escolhido não for o do senador Maguito Vilela (PMDB-GO), apadrinhado por eles. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), por determinação do Planalto, convidou para o posto o senador do PTB Fernando Bezerra
(RN), ex-ministro da Integração de FHC e inimigo visceral de Renan.
O PTB, que não pediu o cargo, bate o pé e o PMDB não abre mão de manter o posto. É o primeiro abacaxi para o novo coordenador político, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), descascar. Na terça-feira 3, Rebelo fez uma reunião com Renan e Mercadante, mas não resolveu nada e ambos deixaram o Planalto com a expressão azeda. A própria dupla Sarney-Renan pode se romper. Sarney quer ser reeleito presidente do Senado, mas Renan está convencendo o Planalto a não apoiar o projeto de emenda constitucional que permitiria a reeleição.

Outro fator que pode arranhar a hegemonia dos atuais caciques peemedebistas é a frustração com cargos no governo, cujas
nomeações até aqui foram represadas. O PT não abre mão de indicar
os nomes. Só para se ter uma idéia, o governo pediu para o senador Amazonino Mendes (PMDB-AM) indicar o superintendente da Infraero
no Amazonas. Mas Amazonino acabou perdendo a nomeação. Motivo:
o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), prometeu o cargo
ao deputado Átila Lins (PFL) em troca do apoio dele à sua reeleição. Mesmo em um ano que não serão necessários três quintos de votos
para aprovar reformas, o Planalto está preocupado com o cheiro de pólvora no PMDB. “É a falta de poder que afasta os amigos”, ironizou o deputado Moreira Franco (PMDB-RJ). O PMDB, que chegou no governo a prazo, tem agora uma crise à vista.