Nos últimos anos, a escritora paulista Hilda Hilst – que morreu na madrugada da quarta-feira 4, aos 73 anos, em Campinas, vítima de falência múltipla dos órgãos – havia trocado o ofício da escrita pelo prazer da leitura. Preferia passar horas diante de um volume de física a sentar-se diante da velha máquina de escrever Olivetti, nunca substituída por um computador. “Já disse tudo”, afirmava a autora de 38 obras entre poesia, peças de teatro e prosa. Seu último livro foi Estar sendo ter sido, de 1997. Sempre bem-humorada, dizia que estava estudando para não chegar idiota em Marduk, planeta de outra dimensão onde já estariam Einstein, Paracelso e Julio Verne. Exceto sua crença no além e seu interesse pela imortalidade – aquela outra, bem longe da Academia Brasileira de Letras –, Hilda deixava claro seu desagrado em não ser reconhecida em mais de 50 anos de atividade. “Me sinto uma tábua etrusca”, queixava-se a autora de A obscena senhora D (1982), apelidada pelo poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade de Estrela de Aldebarã. Hilda Hilst teve a obra completa reeditada a partir de 2002, mas continuava mais comentada que lida.

Tanto foi assim que, há 13 anos, provocativa, enveredou pela escrita erótica na trilogia O caderno rosa de Lory Lambi (1990), Contos d’escárnio/textos grotescos (1990) e Cartas de um sedutor (1991). Por eles, ganhou a preconceituosa alcunha de velha obscena. “Acho que nem na França me entenderam”, desabafou. Lançada aos 20 anos com o livro de poesia Presságio, já na segunda obra, Balada de Alzira, de 1951, a estudante de direito da Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, recebeu um grande empurrão de ninguém menos que Cecília Meireles. Comentando seus versos “Somos iguais à morte/Ignorados e puros”, Cecília teria comentado: “Quem disse isso precisa dizer mais.”

Belíssima na juventude, tendo abalado corações como os do ator e cantor americano Dean Martin e do poeta e diplomata Vinicius de
Moraes, Hilda queria ser levada a sério pela mundanidade da paulicéia. Decidiu, então, abandonar a cidade para morar na Casa do Sol, em Campinas, sítio herdado da mãe, local onde viveu até a morte, rodeada de 64 cães. “Puxei os cabelos para trás e comecei a usar batas e a me enfeiar”, lembrou a escritora nascida em Jaú, no interior de São Paulo.
Ela sempre atribuía a atitude radical à leitura de Carta a El Greco, de Nikos Kazantzakis. Em relação à literatura, a opção foi por causa do pai, o poeta e fazendeiro Apolonio de Almeida Prado Hilst, que enlouqueceu aos 34 anos, quando ela ainda era menina. “Quis continuar o que ele não pôde fazer”, dizia. A loucura, assim como a morte, a procura de Deus, o amor e o sexo foram temas obsessivos na obra de Hilda Hilst, que resolveu não ter filhos para que nenhum nascesse esquizofrênico como o pai dela. Preferiu os cães. Sofria pela dificuldade de eles não se expressarem.