Uma triste cena tomou conta do aeroporto de Friedrich-shafen, na Alemanha, na quarta-feira 3. Cerca de 140 familiares vindos da república russa de Bashkortostão, nos Montes Urais, vestidos de luto, desembarcaram segurando flores e guirlandas para as 52 crianças que morreram na trágica colisão aérea entre o avião russo Tupolev TU-154 e o cargueiro Boeing 757, que se chocaram às 23h35 (18h35 de Brasília) na segunda-feira 1º, em pleno vôo sobre o Lago Constanza, quase na fronteira entre o sul da Alemanha e a Suíça. Na bagagem, os parentes trouxeram roupas sujas, pentes, lençóis, registros de arcada dentária, tudo o que pudesse facilitar a tarefa de identificação dos corpos, despedaçados em pleno choque aéreo. Quatro psicólogos acompanharam os pais na visita aos necrotérios. “Alguns poderiam não suportar”, afirmou Thomas Schöuble, ministro do Interior da Alemanha.

O tour das crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos, filhos de funcionários russos, era patrocinado pela Unesco. As crianças viajavam em férias e deveriam desembarcar em Barcelona para depois seguir de ônibus para a costa ensolarada de Salou, no Mediterrâneo. O ônibus já as aguardava no aeroporto com destino ao concorrido hotel de quatro estrelas Estival Park Hotel, onde os funcionários ficaram chocados com a notícia. “É uma tragédia terrível. Todo acidente de avião é catastrófico, mas quando se trata de crianças… todo mundo aqui ficou traumatizado”, disse o gerente do hotel. Com os dois tripulantes do Boeing, no total, 71 pessoas morreram.

O sonho que acabou em tragédia foi causado por falha humana, segundo o grupo de investigadores composto por alemães, suíços e americanos. O acidente foi consequência, na verdade, de uma sucessão de erros. Inexplicavelmente, o Tupolev da Bashkiran Airlines, que partiu de Moscou rumo a Barcelona, e o Boeing da empresa de entregas DHL, que havia decolado de Bahrein, no Golfo Pérsico, com destino a Bruxelas, estavam em rota de colisão pelo menos meia hora antes do acidente. Os aviões voavam em corredores perpendiculares e na mesma altitude, de 36 mil pés (11.500 metros). O piloto russo foi advertido do risco de colisão pela torre suíça apenas 50 segundos antes do choque, pouquíssimo tempo para realizar uma manobra.

Por sua vez, os suíços alegaram que haviam alertado o piloto russo quatro vezes e que ele demorou 25 segundos depois do último aviso para tomar uma atitude. Mas até os próprios controladores da torre no final admitiram que seriam necessários ao menos quatro minutos para evitar um choque entre os aviões. Apesar de as aeronaves estarem sobrevoando território alemão, elas estavam sendo controladas pelo centro de controle de Zurique da empresa suíça Skyguide, por conta da proximidade das fronteiras. Apenas um funcionário da torre suíça estava monitorando os aparelhos no momento do acidente porque seu colega estava em sua hora de folga. Esse funcionário levantou a hipótese de o piloto russo não ter entendido o sinal, mas a Bashkiran Airlines retrucou dizendo que o piloto tinha larga experiência e isso não seria possível. O porta-voz do Sindicato dos Pilotos Comerciais da Alemanha, Georg Fongern, também descartou essa hipótese. “Normalmente, precisamos de cinco a dez minutos para que dois aviões em rota de colisão possam desviar”, afirmou Fongern.

Mergulho fatal – O fato é que as duas aeronaves receberam instruções idênticas de mergulhar no espaço aéreo, quando um deveria ser alertado para subir e o outro para descer. O Tupolev recebeu o sinal de última hora pela torre, e o Boeing, através de um sistema computadorizado para evitar colisões, o TCAS. Esse dispositivo é obrigatório para os aviões que fazem rotas em países da União Européia. O aparelho do Boeing estava ativado, mas ninguém sabe o porquê de o TCAS do Tupolev não ter alertado a tripulação russa sobre a possibilidade do acidente. Outra gravíssima falha é que o sistema de alerta de colisão da torre suíça estava desconectado. A empresa suíça Skyguide admitiu que seu sistema ficou fora de serviço porque estava em manutenção. Outro fator é a diminuição da distância vertical de 600 metros para 300 em que as aeronaves européias são obrigadas a voar desde o início deste ano. Uma mudança que, com o congestionado tráfego aéreo europeu, pode causar ainda mais polêmica.

Calcula-se que as autoridades suíças devam levar ao menos uma semana para anunciar as conclusões das investigações. As caixas-pretas dos dois aviões com as últimas conversas das tripulações foram recuperadas e estão sendo analisadas.

Até a sexta-feira 5, os corpos de 68 vítimas haviam sido encontrados. Mas a maior parte estava irreconhecível. Em meio aos campos de trigo, onde caíram os aviões, os parentes pareciam inconsoláveis. No intuito de levar alguma lembrança dos filhos, os pais e as mães das crianças russas recolheram terra e feixes de trigo.