Não há mais dúvida nem entre oficiais do alto comando da Aeronáutica: será política – e não apenas baseada em critérios técnicos – a escolha dos novos caças supersônicos da Força Aérea Brasileira pelo Conselho de Defesa, presidido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com a participação do ministro da Fazenda, Pedro Malan, do chanceler Celso Lafer, dos comandantes militares e do ministro da Defesa, Oswaldo Quintão. A previsão de gasto com o contrato para a compra das aeronaves é de pelo menos US$ 788 milhões. Até as restrições do governo George W. Bush às exportações brasileiras de aço, suco de laranja e soja estão na pauta das negociações do novo caça, segundo assessores da área econômica, além das restrições adotadas pelo governo dos Estados Unidos para a cessão do míssil ar-ar de longo alcance que a Força Aérea pretende adquirir.

São tantos os interesses comerciais em jogo que a reunião do Conselho de Defesa para escolher o caça, prevista para junho, foi adiada e ainda não tem nova data marcada. Na última fase de avaliação das aeronaves, encerrada em junho, passaram a ter maiores chances de substituir o Mirage-III – adquirido no início da década de 70 – o Mirage 2000BR, do consórcio formado pela brasileira Embraer com a francesa Dassault Aviation, e o Sukhoi 35, apresentado pela estatal russa Rosoboronexport, associada à também brasileira Avibrás. A vantagem é dos franceses em função de seus investimentos no Brasil. “Além disso, há mais experiência da FAB com a eletrônica francesa e com a indústria da França, o que pode favorecer o Mirage 2000BR, apesar do grande raio de ação do avião russo Sukhoi 35”, diz o brigadeiro Cherubim Rosa Filho, o primeiro oficial do alto escalão militar a alertar publicamente o Congresso sobre o sucateamento da Aeronáutica.

Esses aviões foram aprovados tecnicamente pelo Estado-Maior da Aeronáutica, assim como o sueco Gripen, que tem um forte lobby da indústria de seu país. A indústria sueca oferece amplas compensações comerciais, cessão de tecnologia ao Brasil e tem apoio entre alguns negociadores da área econômica brasileira. O F-16, dos Estados Unidos, também vai ser analisado na reunião do Conselho de Defesa. Sofre restrições por causa do veto americano à cessão do míssil de longo alcance para países da América Latina. “O Chile comprou o F-16 e ainda não conseguiu o míssil que pretendia”, diz o ex-ministro da Aeronáutica (governo FHC), brigadeiro Mauro Gandra, que reitera sua preferência pelo Mirage 2000-5Br. “Mas, se o governo americano retirar as restrições às exportações do aço brasileiro, do suco de laranja e de produtos agrícolas, vai ser difícil vetar o F-16”, admite Gandra.

Pelos resultados obtidos na experiência com a indústria francesa em outros projetos, oficiais que defendem um programa de nacionalização do material aéreo, como os brigadeiros Hugo Piva, Mauro Gandra e Sérgio Ferolla, deixam clara sua opção pelo Mirage 2000-5Br. Segundo eles, a aeronave franco-brasileira poderia tornar mais viável a cessão de tecnologia e compensações comerciais já feitas no passado pelos franceses. O brigadeiro Piva, coordenador do programa espacial brasileiro nas fases dos foguetes Sonda, que permitiram o domínio da tecnologia espacial, defende uma cooperação mais ampla com a indústria e o governo da França. “Foram os franceses que contribuíram tecnologicamente com o nosso programa espacial, enquanto os americanos se negaram a fazê-lo”, diz.

A declaração de Piva encontra apoio entre oficiais da Aeronáutica, principalmente porque o programa espacial – fruto do esforço de especialistas do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) – passa por um de seus piores momentos. Nos dois mandatos de Fernando Henrique, o programa espacial foi relegado a plano secundário. Em maio, sofreu mais um golpe com a suspensão de 30% do orçamento de 2002 da Aeronáutica, causado pelo atraso na aprovação da CPMF. O próprio comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista, disse a ISTOÉ que “o que se pretende não é uma Força Aérea como a Usaf (americana), mas com pelo menos um núcleo de excelência”.

Para Baptista, a decisão de comprar os caças não deixa de levar em conta as dificuldades econômicas do País. “Na aquisição do jato inglês Gloster-Meteor, em 1952, a compensação comercial já ocorria e os aviões ingleses foram trocados por algodão pelo então ministro Nero Moura. Houve compensação, inclusive para segmentos não militares.” Foi em função do sucateamento da Aeronáutica que Fernando Henrique assumiu o compromisso de adquirir os novos caças, abrindo mão até da compra de um novo avião para a Presidência da República, que vai ficar para seu sucessor. Dos que participam da licitação, o único avião que já não recebe apoio em Brasília é o russo Mig 29, a última atração da antiga União Soviética, apresentado no salão inglês de Farnborough no fim da década de 80.