Incumbida da tarefa de tirar brasileiros da miséria e da ignorância, Wanda Engel Aduan rebate críticas e diz que há avanços

É uma mulher de sorriso largo,
muito vigor e esperança, que
carrega a carga mais pesada do
governo Fernando Henrique Cardoso.
Ela se chama Wanda Engel Aduan e
é a atual secretária de Estado de Assistência Social, um cargo
equivalente ao posto de ministro. É a única mulher do governo a lidar com recursos tão altos e em uma área tão sensível e importante para o presidente neste final de segundo mandato.

De mãos limpas, Wanda coordena o Projeto Alvorada, que inclui l6 programas sociais (de saúde, educação, saneamento, etc.) e tem recursos superiores à soma dos orçamentos dos Ministérios dos Transportes (R$ 7,7 bilhões) e da Agricultura (R$ 5,3 bilhões), por exemplo. Nascida num subúrbio do Rio de Janeiro, o Méier, desde cedo ela conviveu com dificuldades financeiras. Como o pai ficou doente e recebia uma pensão muito pequena, a mãe teve que trabalhar como servente da prefeitura e mudar-se para um conjunto habitacional vizinho à favela de Jacarezinho.

Wanda conseguiu passar no concurso para o Instituto de Educação, um colégio cobiçado pela elite do Rio de Janeiro, dotado de uma caixa escolar responsável por serviços assistenciais voltados para suas poucas alunas pobres, entre as quais ela se incluía.

Formou-se geógrafa, mas fez mestrado e doutorado na área de educação. Foi secretária do Desenvolvimento Social no Rio, com o prefeito César Maia, “ongueira” por dez anos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj. Também participou da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente e dirigiu a primeira unidade do programa especial de educação do governo Brizola: o Centro Cultural Comunitário de São Cristóvão, conhecido como Brizolão da Mangueira.

Seguindo a filosofia de que a falta de acesso à riqueza não é o único nem o principal problema da exclusão social, a secretaria por ela conduzida tem executado programas que “dão o peixe, mas condicionam a continuidade do benefício ao aprendizado da pescaria”, como gosta de frisar. Até porque a idéia é de recuperação da cidadania, e não de criar sócios-dependentes do Estado.

Dentro deste espírito, os programas sociais dão assistência desde antes do nascimento de um novo brasileiro, que já surge predestinado à exclusão social, até àqueles que enfrentam a velhice com baixa qualidade de vida. Atualmente, Wanda Engel também coordena o Cadastro Único para os Programas Sociais do governo federal, que vai cadastrar este ano 9,3 milhões de famílias carentes. Nesta entrevista a ISTOÉ, ela enfrenta as críticas ao desempenho social do governo com a cabeça erguida e a língua afiada: “É mais uma injustiça social”, diz.

 

ISTOÉ – O governo de Fernando Henrique Cardoso é muito criticado por sua atuação na área social. Como a sra. encara isso?
Wanda

Acho que é mais uma injustiça social, é uma forma de injustiça social. Concretamente, desde volumes de investimentos até resultados na área social e inclusive, eu diria, um aperfeiçoamento das estratégias, o governo avançou muito no campo social. Os investimentos, só do governo federal, são da ordem 15,6% do PIB; a educação conseguiu quase que a universalização no ensino fundamental; a saúde conseguiu baixar os indicadores de desnutrição e de mortalidade infantil. Então, não só em termos do que se investiu, mas também em termos de resultados, há um avanço muito grande. Aí é como se houvesse uma repetição de um discurso: “O governo só investiu no econômico, não se importou com o social.” Isso acaba virando verdade pela repetição. Mas, se você for ver dados concretos que o censo está demonstrando, constatará que se avançou muito. A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas, diz que o Brasil talvez seja o país que mais tem avançado na luta contra a pobreza na América Latina nesta última década.

ISTOÉ – Mesmo assim, fica claro que o Brasil está ainda muito longe de acabar definitivamente com a pobreza…
Wanda

O Brasil é um país muito grande, com 170 milhões de pessoas, e índices ainda muito elevados de pobreza e de indigência. Mas os índices de pobreza, que no começo da década estavam em torno de 42%, agora estão em 32%. Trinta e dois por cento de 170 milhões são 54 milhões de pessoas. O índice de indigência, que no começo da década era de 24%, caiu para 13%, o que vai dar 23 milhões de pessoas. Então, quando se diz que a Costa Rica avançou muito no combate à pobreza, temos que lembrar que a Costa Rica tem três milhões de pessoas, o Chile tem 14 milhões. As coisas aqui são muito grandes e muito complexas. Temos um território superdiversificado, com diferenças enormes entre as regiões. Por isso, concretamente, a gente não pode dizer que a pobreza aumentou, a não ser que você tenha cortes diferentes para avaliar essa pobreza. Varia, mas se você pegar o mesmo corte, por exemplo, para a pobreza de meio salário mínimo per capita e para a indigência de um terço do salário mínimo per capita, tanto porcentualmente quanto quantitativamente a pobreza vem diminuindo no decorrer do tempo.

ISTOÉ – Por que, então, prevalece essa impressão generalizada de que o governo FHC não se preocupou com a questão social?
Wanda

Ele começou investindo mais nas chamadas políticas universais, como educação e saúde, que são vistas como questões sociais, e não como de combate à pobreza. Investir em educação e saúde não é percebido pelo poder público como estando investindo no social. Talvez a chave da resposta esteja na forma de execução dessas políticas. Com a Constituição de 1988 veio o princípio da descentralização, em que as políticas devem ser executadas preferencialmente pelos governos municipais, dando a falsa impressão de que o governo não faz nada. Na verdade, o governo federal não executa mais nada, mas define linhas gerais, financia, acompanha.
 

ISTOÉ – Mas a desigualdade social no Brasil é cada vez maior e mais perversa…
Wanda

O grande problema do Brasil é como reverter essa desigualdade. Ela tem três eixos básicos: o regional, com cidades
que concentram a pobreza e cidades que concentram a riqueza; o
eixo de raça e o eixo de gênero, porque mesmo aumentando a escolaridade das mulheres elas ainda ganham menos. Então, a gente pode dizer que a pobreza no Brasil tem cara: ela é mulher, negra e nordestina. Enfrentar essa questão da desigualdade talvez seja hoje nosso maior desafio, porque os indicadores gerais vêm diminuindo. Pobreza não é só falta de acesso a dinheiro, mas é a falta de acesso
à educação, à saúde. Melhorando a saúde você pressupõe uma melhora na situação de pobreza.

ISTOÉ – Como o governo FHC atacou a questão da distribuição de renda?
Wanda

Ele começou a mexer a partir do ano 2000. Mexeu na questão da pobreza e dos indicadores sociais até 2000 e aí ele se deu conta de que, apesar de tudo estar melhorando, havia ainda o que era mais resistente nesse processo: a questão da distribuição de renda.

ISTOÉ – O que a secretaria faz de concreto para enfrentar a questão da desigualdade social?
Wanda

Nós temos duas grandes estratégias para a questão da desigualdade. A primeira surgiu em 2000 e se chama Projeto Alvorada. Consiste em focalizar o pobre e fazer convergir as ações de saúde, educação e renda para ele. Em vez de usar apenas a questão da renda, o projeto utiliza o Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, que junta à renda o acesso à educação e o acesso à saúde. Assim, identificamos os 2.318 municípios em piores condições no Rio de Janeiro, nos quais se colocaram R$ 13,2 bilhões em três anos em programas de educação, saúde e renda. Na área da educação, por exemplo, foram recursos para alfabetização, bolsa-escola, profissionalização de jovens e adultos; na da saúde, para saneamento, bolsa-alimentação, médico de família; e na da renda foi acesso a crédito, capacitação profissional. Além de dinheiro, colocou-se em cada uma dessas cidades uma célula de programa que se chama Portal do Alvorada, no qual se faz uma grande capacitação de quem trabalha nesses portais e também das prefeituras para que todos estejam habilitados a fazer o milagre de transformar dinheiro em serviço. Não adianta colocar dinheiro quando a prefeitura não está preparada. É preciso qualificar a sociedade civil para esse dinheiro não ir para o ralo. Depende mais disso do que da boa vontade do prefeito. Do Alvorada surgiu a Rede de Proteção Social, com a criação de um conjunto de programas para cada faixa etária e recursos destinados diretamente para a família. A rede consome R$ 23 bilhões por ano e é o primeiro passo de um processo de desenvolvimento humano, social e econômico. Isso começou no final de 2000. São coisas que ainda não se refletem.

ISTOÉ – Neste ano de eleição, sua pasta ganha destaque especial?
Wanda

Vejo com satisfação o fato de a agenda de superação da pobreza ser uma agenda que está na pauta das discussões. Durante muito tempo só se discutiam a questão econômica, obras, infra-estrutura. As pessoas estão percebendo que superar a pobreza não é mais só uma questão ética, é uma questão estratégica. O País não tem protagonismo no terceiro milênio com esses níveis de desigualdade. Ou você combate a pobreza ou o País não tem saída. Isso está na boca dos políticos e eu acho muito bom.

ISTOÉ – O Brasil continua aparecendo como destaque negativo nas pesquisas sobre trabalho infantil. O que a sra. tem a dizer sobre isso?
Wanda

O relatório da Organização Internacional do Trabalho usou dados de 1999, detectando que a diminuição do trabalho infantil foi enorme no Brasil, mas ainda havia muitas crianças trabalhando. Quando a gente tem um programa de erradicação do trabalho infantil, não significa erradicar o trabalho infantil de 2,9 milhões de crianças, mas erradicar as chamadas piores formas de trabalho infantil, que são a carvoaria, o lixão, a prostituição. Os dados que a OIT apresentou, de 1999, eram de 876 mil meninos. Nós vamos chegar no final de 2002 atingindo 900 mil crianças nas piores formas. Vamos ver se até o final do ano a gente incentiva denúncias de crianças envolvidas nessas piores formas para fechar o ano atendendo efetivamente esse contingente.

ISTOÉ – A sra. estranhou trabalhar no governo?
Wanda

Como acadêmica, eu era sempre aplaudida pelas críticas
que fazia, uma beleza. Era feliz e não sabia. Quando fui para o movimento das organizações não-governamentais, eu podia fazer 0,0001%, e era glorificada por aquilo. Quando fui para o governo, eu podia fazer 99,99% que era crucificada pelo 0,0001% que eu não fazia. Não é uma missão fácil