Foi na trave. A Espanha e a Inglaterra se articulavam para fazer um gol contra a imigração ilegal na Europa, mas o goleiro da França não deixou. O gol era endurecer as leis de imigração na reunião semestral dos 15 países da União Européia (UE), que aconteceu na sexta-feira 21 e no sábado 22 em Sevilha, na Espanha. Mas este campeonato de forças foi vencido pelo presidente francês de centro-direita, Jacques Chirac, fortalecido pela reeleição no mês passado e ainda apoiado pelo zagueiro sueco, o primeiro-ministro social-democrata Goeran Persson. Se a armação anglo-espanhola desse certo, os “desabrigados” do Terceiro Mundo seriam expulsos dos países da União Européia e seriam impostas sérias sanções econômicas contra os países que não “colaborassem” com a política de imigração ilegal almejada pelos atacantes, o primeiro-ministro espanhol, José Maria Aznar, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair. Planejava-se punir dois tipos de países: os de onde saem os imigrantes e os que os abrigam temporariamente, considerados porta de entrada, como a Turquia. Mas Jacques Chirac deu cartão vermelho para os dois. “Devemos estimular, convencer e cooperar (com esses países) em vez de partir para a punição”, declarou Chirac.

Portugal, Bélgica e Luxemburgo também não gostaram dos lances de Aznar. Como é necessário unanimidade nas jogadas para se fazer um gol na cúpula, o premiê espanhol, presidente rotativo da UE até o dia 30 de junho, foi flagrado em impedimento e não teve outra alternativa a não ser alterar o regulamento do campeonato. No novo documento, as sanções foram abolidas e, no lugar delas, serão realizadas “avaliações sistemáticas” das relações entre os membros da UE e os países de onde saem os 500 mil imigrantes clandestinos que anualmente entram na Europa Ocidental. O Velho Continente abriga hoje nada menos que três milhões de imigrantes ilegais, muitos provenientes de ex-colônias européias. Agora, em vez de cortes nas relações com os países de onde se originam os imigrantes, foram incluídas cláusulas que estabelecem um maior controle “conjunto” do fluxo migratório. Desde 1993, a União Européia nunca havia conseguido emplacar uma única política antiimigração conjunta.

Mas há duas razões para explicar as novas táticas dos jogadores do Reino Unido e da Espanha que querem inflamar esse jogo. A primeira é o evidente aumento do fluxo migratório na Europa. Em 2000, a União Européia recebeu 816 mil imigrantes, 100 mil pessoas a mais do que no ano anterior. No mesmo ano, o total de cartões vermelhos para os imigrantes na Europa foi de 367 mil e eles foram expulsos. Outros 87 mil receberam cartão amarelo e “abandonaram voluntariamente” o Velho Estádio, segundo fontes oficiais de Bruxelas. A Alemanha, a Itália e o Reino Unido receberam cerca de 70% desse fluxo migratório, enquanto que a Espanha, a França e a Finlândia ficaram com as taxas mais baixas. A Alemanha está em primeiro na tabela, com 7 milhões de imigrantes, 24 para cada mil habitantes. Para tentar conter essa torcida desorganizada que invade a Alemanha, o presidente alemão, Johannes Rau, promulgou no dia 19 uma lei aprovada pelo Parlamento que atrai trabalhadores estrangeiros especializados e restringe os pedidos de asilo, um dos maiores problemas para os europeus.

No novo documento, os 15 deixaram claro a necessidade de ser estabelecido um novo esquema de asilo. Entre 1999 e 2000, os governos europeus receberam 315 mil petições de asilo, mas apenas 27,5 mil foram concedidas. Países como o Reino Unido, a Alemanha e a Bélgica são os times mais solicitados e os que agora mais pressionam pela expulsão de campo dos ilegais. Em 2000, o governo britânico regularizou a situação de 30 mil refugiados que chegaram à terra dos hooligans antes de 1995. Mas ainda existem mais de 50 mil em situação irregular. Para quem cansar de ficar na arquibancanda esperando uma permissão para ficar e optar pelo “retorno voluntário”, a UE tem planos. Parte dos 60 milhões de euros que a Comissão Européia deverá destinar em julho para resolver os impasses da imigração será para ajudar os que quiserem voltar para casa “voluntariamente” e a outra parte da bolada vai ajudar os governos dos países de origem. Mas ainda há os que insistem nas expulsões de campo. “Deve haver um pacto de readmissão entre a UE e os países geradores de imigrantes com punições para seu descumprimento”, ameaçou o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi.

Os conservadores e a extrema-direita, que cresceram em eleições recentes em países tolerantes como a França, a Dinamarca e a Holanda, são as que mais pressionam para que haja políticas de restrições à entrada de imigrantes. Mas então o que foi que aconteceu com os centro-avantes Tony Blair e Gerhard Schröeder (primeiro-ministro alemão)? Assim como sua seleção na Copa, Blair vinha goleando nas últimas sessões da UE, mas tornou-se um fiasco ao adotar as medidas da centro-direita, embarcando na onda xenófoba dos líderes europeus populistas e racistas, como o do candidato às eleições presidenciais da França, Jean-Marie Le Pen. Blair teme que esse time de direita o jogue para escanteio e, por isso, tentou sair por cima com um gol de bicicleta. Mas chutou longe. Jacques Chirac sabiamente declarou que sua proposta de impor sanções contra os países pobres tem grandes chances de ser “contraproducente”. Schröeder é outro que teme nem chegar perto da grande área nas eleições de setembro, e por isso a tentação populista, uma vez que 80% dos europeus acreditam que esse é o principal problema de seus países.

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