Uma das pedras fundamentais da arquitetura jurídica dos Estados Unidos é o direito de todo acusado a ser julgado por um júri composto por 12 de seus pares. Ou seja: quem decide pela culpabilidade ou inocência de um réu é um grupo de cidadãos como ele próprio. Na segunda-feira 24, a Suprema Corte do país reforçou essa idéia ao pé da letra da lei. Por sete votos a dois, os juízes decidiram que cabe aos jurados, num julgamento, o ônus de encontrar fatos agravantes cruciais que determinem a sentença de pena de morte ao réu. Ou seja: cabe aos 12 cidadãos não apenas definir a culpabilidade, mas também prescrever a sentença que mandará alguém ao cadafalso. Antes dessa deliberação, eram os juízes que ditavam a sentença. Trata-se de uma interpretação histórica na maior corte do país, que afetará – em maior ou menor grau – a vida de 800 pessoas à espera do carrasco. Já se dá como certo que 125 condenados, em cinco Estados americanos, vão ter novas oportunidades para reconsiderações de suas penas, impostas por juízes, e não por jurados. Além destes, em mais quatro Estados os estatutos da pena capital devem ser revistos. Desse modo, a nação industrializada que mais executa prisioneiros começa a tornar mais difícil essa tarefa.

A determinação sobre o poder dos jurados veio quatro dias depois de a mesma Suprema Corte ter decidido que a execução de condenados que tenham comprovado retardamento mental é desumana e inconstitucional. Essas duas interpretações levaram alguns analistas mais apressados a vislumbrar uma nova disposição dos nove juízes supremos em acabar com a pena de morte. Principalmente depois de o maior nome da ala conservadora da instituição, o juiz Antonin Scalia – na dissidência na questão da execução de retardados mentais –, ter reconhecido que existe uma disposição popular contra a pena de morte e que argumentos neste sentido poderiam ser levados em consideração. No entanto, a abolição da pena capital nos Estados Unidos não está nos planos desta corte. Na última decisão, os juízes fizeram questão de reforçar o conceito e a legalidade desse tipo de punição. “A determinação de delegar aos jurados a tarefa de encontrar agravantes que levem à pena capital foi baseada em outra decisão anterior, tomada há dois anos, que deu novas interpretações aos papéis dos juízes e dos jurados no país. Essa decisão foi chamada de Apprendi versus New Jersey”, disse a ISTOÉ o professor Laurence Tribe, da cátedra de direito constitucional da Universidade de Harvard. Em Apprendi versus New Jersey ficou instituído que cabe ao jurado apontar fatos agravantes cruciais para que a pena seja aumentada. A mesma postura, como lembrou em seu parecer a juíza Ruth Barder Ginsburg, da Suprema Corte, deveria ser estendida aos casos em que se pode aplicar a pena de morte.

A ampla maioria a favor dessa decisão juntou parceiros insuspeitados na Suprema Corte. Juízes da ala liberal e seus colegas conservadores – grupos que vivem às turras – formaram o bloco dos sete que bateram o martelo nessa interpretação legal tão importante. As justificativas jurídicas para a determinação tiveram como base a Sexta Emenda da Constituição americana, que assegura o direito de todos os cidadãos a um julgamento por júri popular. O juiz Stephan Breyer em seu apoio ao mérito da questão justificou: “A Constituição exige sentenciamento pelo júri em caso de pena capital porque apenas o júri traduz o senso da comunidade apropriado neste caso particular.” Ou seja: a Justiça deriva da percepção dos cidadãos.

Foi um caso proveniente do Estado do Arizona que gerou essa opinião da Suprema Corte. Em Arizona versus Ring, a Suprema Corte estadual havia mantido a sentença de pena capital para o réu Timothy Ring. Ele fora condenado pelo assassinato de um motorista de carro-forte em 1994. O juiz que presidiu o julgamento encontrou o agravante que justificou a sentença máxima no depoimento de um cúmplice de Ring que o acusara no banco de testemunhas de ser quem apertou o gatilho. Acontece que o corpo de jurados não ouviu esse testemunho e apenas o juiz tinha conhecimento dele. Deste modo, com a nova interpretação da Suprema Corte do país, a punição de Ring foi anulada e espera novo pronunciamento. “Assim como Ring, existem naquele Estado cerca de 70 ou até 120 outros casos que são passíveis de revisão. Em todo o país, esse número sobe para no mínimo 125 e talvez chegue a várias centenas”, diz o jurista Laurence Tribe. Além do Arizona, os Estados de Idaho, Colorado, Montana e Nebrasca tinham os mesmos métodos de sentenciamento pelo juiz. Na Flórida, Alabama, Delaware e Indiana, o corpo de jurados dá um parecer sobre a sentença e o juiz leva essa opinião em consideração, sem, contudo, precisar adotá-la necessariamente. Essas normas devem mudar depois da decisão da Corte. Mesmo assim, 29 outros Estados do país têm estatutos para pena de morte que são compatíveis com a decisão da Suprema Corte. De todo modo, será interessante anotar como os jurados irão reagir ao ônus de enviar outro ser humano para a morte. Quando era o juiz quem arcava com essa responsabilidade, o júri podia se dar ao luxo de bancar Pôncio Pilatos e lavar as mãos. Agora, as mesmas mãos poderão levar um de seus “pares” para as garras do carrasco.