Santa Copa do Mundo. Ela já teve efeitos sedativos mais poderosos durante a ditadura, mas não perdeu o poder de desviar a atenção do planeta para as 44 pernas que, dentro de campo, correm atrás de uma bola da Adidas, feita em outros tempos por mãozinhas de crianças paquistanesas. A Copa pode ser o calmante que o presidente Fernando Henrique Cardoso recomendou ao elétrico mercado financeiro. Não baixou a febre – o dólar sobe e desce sem parar, assim como o risco Brasil –, mas roubou o foco dos problemas econômicos. Até na Argentina, onde a pobreza atinge 50% da população, a Copa – que para eles durou apenas 270 minutos – teve seus efeitos mágicos. Como teve no Senegal, país africano de negros retintos e primeira-dama loira como uma sueca, com renda per capita de US$ 1.600 (a do Brasil é de US$ 6.500) e futebol de alegria, que deu o pontapé inicial para o fiasco de seu antigo colonizador, a França (renda per capita de US$ 24.400), numa vitória de 1 a 0 logo no começo da Copa. Como eles comemoraram a desforra pelos 146 anos de submissão, de 1814 a 1960! Valeu, Senegal! A Argentina, coitada, não teve chance de se vingar da Inglaterra com a bola no pé pela derrota na guerra das Malvinas. Mas pôs para fora a mágoa alimentada nos últimos 20 anos. A Coréia, em compensação, estremeceu a potência japonesa, que sempre a coloca em segundo plano na Ásia.

A euforia da Copa tem razões que a própria razão desconhece. “Melhora a confiança do consumidor brasileiro. A população feliz tende a consumir mais, o que estimula a atividade econômica”, afirmou a economista-chefe do BES Investimento, Sandra Utsumi, à agência Reuters enquanto o Brasil se preparava para enfrentar a Turquia. Alguns operadores de câmbio acreditam piamente que, se o Brasil não tivesse passado pela Inglaterra, o dólar teria atingido os R$ 3. A moeda americana todos os dias ameaça bater o recorde dos 2,84 registrados no fechamento de sexta-feira 21, quando o Brasil ganhou de 1 a 0 da Inglaterra nas quartas-de-final. O calmante do mercado, provavelmente, foi deixado de lado naquela sexta-feira, tamanho o prazer de ver o craque Beckham voltar à condição de marido da igualmente estonteante ex-spice girl.

Há quem acredite que a Copa traz sempre boas influências. Melhora o astral, aproxima as pessoas no trabalho, quebra a rigidez do dia-a-dia e por aí vai. No caso de alguns operadores do mercado financeiro, pode trazer também um dinheiro extra. Antes da Copa, a preocupação desses operadores deixou de ser o mercado, o rumo do câmbio, o sobe-e-desce da Bolsa, essas chatices que todos os dias estão nos jornais, para que a energia se concentrasse nas transações no mercado futuro do Mundial. Não tem pregão e o negócio é feito como antigamente – na palavra – entre duplas de operadores que fecham suas apostas. Funciona como o mercado de opções: o operador que apostou no Brasil pagou R$ 16 para ter direito de receber R$ 100. Em geral, são negociados dez lotes. O operador que adquiriu a opção é chamado de comprado; o “vendido” é o que vendeu a opção, que torce contra, claro. A brincadeira é bem mais divertida do que a do mercado de verdade.

É no humor que a influência do Mundial é bastante forte no mercado. “A Copa não ajuda a melhorar os ativos, mas ajuda a não piorar ainda mais a situação econômica”, observou um gerente de câmbio de um banco em São Paulo à Reuters. Quem não comprou uma bandeirinha, uma corneta, uma camiseta oficial (falsificada ou não)? Quem não abre o jornal e vai direto aos cadernos da Copa, passando por cima das más notícias do caderno econômico? Afinal, são só 30 dias de uma trégua aos ânimos da Nação, período em que, por incrível que pareça, a possibilidade de uma contusão do Ronaldinho Fenômeno consegue colocar em segundo plano o fato de que neste mês a desvalorização do real em relação ao dólar já atinge 12,16%, a Bolsa de Valores de São Paulo perdeu quase 17% e o tal risco-país, que mede a confiança do investidor estrangeiro, atingiu 1.706 pontos, chegando perto do recorde histórico do índice, registrado na desvalorização do real em janeiro de 1999. Dá pra pensar nisso às vésperas de uma final de Copa do Mundo? Como no Carnaval, amanhã tudo volta ao normal e, infelizmente, a euforia verde-amarela volta para o baú porque a situação, diria Chico Buarque, está preta.

PS: Os operadores do mercado financeiro só chutaram bola fora no mercado do futebol. Muitos apostaram na Argentina e na França.