A revista Istoé DINHEIRO divulgou na última semana trechos de um livro recém-lançado na Itália. Com o sugestivo título L’affare Telecom – il caso politico-finanziario più clamoroso della Seconda Repubblica, o livro escrito pelos jornalistas Giuseppe Oddo e Giovanni Pons trata de escândalos protagonizados pelo ex-capo da Telecom Italia Roberto Colaninno, um especialista em pagar muito mais por tudo aquilo que pode comprar por muito menos. Colaninno também aprontou no Brasil e certamente o livro italiano terá grande repercussão por aqui. Ex-presidente da Telecom Italia, sócia do Opportunity e de fundos de pensão, como Previ e Petros, na operadora Brasil Telecom, Colaninno fez de tudo para obrigar seus parceiros a superfaturar a compra da CRT, uma empresa gaúcha de telefonia. Um dos capítulos do livro trata exatamente sobre esse negócio. A Brasil Telecom pagou US$ 800 milhões à espanhola Telefônica para adquirir a CRT. O negócio foi fechado em 14 de julho de 2000 em uma reunião secreta, estranhamente realizada na sede da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O problema é que a operação envolveu um superfaturamento de pelo menos US$ 100 milhões. Na semana passada, ISTOÉ teve acesso a vários documentos que revelam os bastidores dessa negociação. Trata-se de um avantajado dossiê contendo atas de reuniões do Conselho da Brasil Telecom, recortes de jornais da Itália e diversas cartas remetidas a todos os sócios da Brasil Telecom e ao mais alto escalão da República, denunciando o superfaturamento articulado por Colaninno e pelo ex-presidente da Telefônica Juan Villalonga, informando os esforços do Opportunity em evitar a sangria de pelo menos US$ 100 milhões. Estranhamente, todos os destinatários optaram pelo silêncio.

As cartas enviadas aos ministros Pimenta da Veiga e Pedro Parente, ao então presidente da Anatel Renato Guerreiro e aos responsáveis pelo Previ e pelo Petros foram redigidas por Mauro Salles, da Interamericana Engenharia de Negócios Ltda., empresa contratada por unanimidade do Conselho da Brasil Telecom para conduzir as negociações. Em todas elas, Salles alertava para o superfaturamento e informava que seu objetivo era o de buscar o menor preço. As respostas, quando vinham, eram tímidas. Não existe em todo o dossiê da negociação nenhum documento dos fundos de pensão que manifeste uma posição contrária à falcatrua de Colaninno e Villalonga. Também não existe nenhum documento do governo no sentido de se empenhar pela realização de um negócio com preço justo. Tudo indica que os fundos de pensão se curvaram diante da pressão do sócio estrangeiro e para o governo a pressa em concluir o negócio se sobrepunha à busca pelo menor preço. Passados quase dois anos do fechamento do contrato de US$ 800 milhões, o silêncio continua. Na terça-feira 25, ISTOÉ procurou os responsáveis pelo Previ e pelo Petros e também fez contato com Renato Guerreiro. Até o fechamento dessa edição, porém, nenhum deles havia retornado os telefonemas.

Golpe – No livro que acaba de chegar às livrarias italianas, os jornalistas Giuseppe e Giovanni afirmam com todas as letras que, em julho de 2000, o presidente da Brasil Telecom, Henrique Neves, “foi obrigado” a assinar o negócio, mesmo sabendo que estava pagando um valor acima do correto. No dossiê em poder de ISTOÉ, há elementos que indicam que os repórteres italianos podem estar no caminho certo. Relatórios do Conselho da Brasil Telecom mostram que, dias antes de ser fechado o negócio, Neves tinha se recusado, por causa do superfaturamento, a assinar um contrato praticamente igual ao que foi celebrado em 14 de julho, momentos depois de o presidente da Brasil Telecom ter sido convocado para a reunião na sede da Anatel. Embora passados dois anos, muitas dúvidas a respeito do negócio de US$ 800 milhões permanecem sem resposta. A única certeza que se tem é a de que os sócios brasileiros da Brasil Telecom, mesmo com todos os sinais, caíram, na melhor das hipóteses, em um golpe de US$ 100 milhões.

No primeiro semestre de 2000, depois de várias conversas entre representantes da Brasil Telecom e da Telefônica, ficou sacramentada a base do negócio para a venda da CRT. Com a concordância da Telefônica, foi aprovada pelo Conselho da Brasil Telecom a proposta de compra da companhia rio-grandense. O valor máximo a ser pago pela CRT não deveria ser superior a US$ 730 milhões. O que seria uma operação de compra e venda absolutamente cristalina começou a ganhar contornos de falcatrua quando Colaninno entra em cena. Sem comunicar os demais sócios e ignorando o que fora decidido pelo Conselho da empresa, ele fez um acerto com o então presidente da Telefônica Juan Villalonga se comprometendo a pagar US$ 850 milhões pela CRT. O inexplicável acerto feito por Colaninno deveria provocar uma imediata e forte reação dos seus sócios na Brasil Telecom. No entanto, a reação foi branda demais.

Dúvidas – Quem reagiu de maneira mais forte foi o advogado Modesto Carvalhosa, então presidente do Conselho de Administração da Brasil Telecom Participações. “Vocês são os responsáveis pelos danos que advirão à companhia”, advertiu, em carta destinada à Telecom Italia, 16 dias antes de ser fechado o negócio. Os relatórios encaminhados por Mauro Salles à Anatel e para diversos ministros comprovam que o governo federal tinha pleno conhecimento de que estava para ser concluído um negócio com superfaturamento. Por que, então, em vez de fazer gestões no sentido de impedir a sangria de US$ 100 milhões, a Anatel convocou Henrique Neves para assinar um contrato a contragosto? Essa, segundo alguns diretores da Brasil Telecom, é uma pergunta que insiste em não calar. Semanas antes de ser assinado o contrato, a imprensa italiana noticiou que o governo brasileiro, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso, estaria apoiando os propósitos de Colaninno e Villalonga, no sentido de pagar US$ 850 milhões e não US$ 730 milhões pela antiga CRT. A notícia, evidentemente, teve repercussão no Brasil, mas o presidente Fernando Henrique não a desmentiu. Apenas o ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro se manifestou, negando que o governo estivesse dando aval ao superfaturamento. A segunda dúvida reside no comportamento dos fundos de pensão. Por que os fundos de pensão não tomaram uma posição firme contra a viabilização do acerto feito entre o capo italiano e Villalonga? Mesmo passados dois anos, tudo indica que essas respostas ainda virão à luz. Na Brasil Telecom ainda existe muita gente disposta a tentar recuperar o que foi pago a mais pela CRT. Também há quem esteja empenhado em descobrir exatamente quais foram os caminhos percorridos pelos US$ 100 milhões pagos a mais e em que mãos essa dinheirama foi aportar.

Muito esqueleto ainda deverá sair desse armário e é possível que homens públicos tenham a imagem maculada. A imagem de Colaninno, porém, já está enlameada dentro e fora da Itália. Acusado de gerir a Telecom Italia priorizando o próprio interesse em detrimento dos demais sócios, inclusive o Estado italiano, Colaninno está na mira da Justiça. Afastado da empresa, há quem sustente que ele esteja residindo em uma confortável mansão em Miami (EUA), vizinha à casa do espanhol Juan Villalonga, ex-diretor da Telefônica da Espanha, com quem Colaninno superfaturou a transação da CRT.