A porta do seu gabinete, que ostenta um baguá (talismã que na filosofia chinesa feng shui serve para afastar as energias negativas) dificilmente se fecha. Tem vezes que gangues de rua rivais ali se encontram e até se estranham, sem cerimônia, na frente da prefeita de Boa Vista, Teresa Jucá (PSDB). A capital de Roraima, um Estado tão distante do eixo que move o País, está na cabeça do Brasil, lembra Teresa, uma paulista de São Manoel. Ela abre um largo sorriso para contar essas histórias, principalmente de como está conseguindo conter a ação das “galeras”. Do lado esquerdo da mesa de trabalho, uma imagem de Santo Antônio e alguns cristais parecem proteger a prefeita. Do lado direito, um paredão de fotos dos meninos de Boa Vista, dos projetos sociais que desenvolve, dos amigos e das duas filhas dão uma mostra do que é o mundo de Teresa, uma apaixonada pelo que faz e por ter descoberto que o sucesso de sua empreitada estava escrito nas estrelas, ou melhor: nos astros.

Na primeira semana de mandato, em janeiro de 2001, a inovação em termos de administração pública foi mapear a cidade através de um censo, chave para pôr em prática uma promessa de campanha: a gestão participativa. Foram três meses de visitas para traçar o perfil dos 208 mil habitantes. Nesse período, foram detalhados 39 dos 50 bairros. Soube-se com precisão onde cada um vive, qual o nome, como vive, a faixa de renda; se a casa era de madeira, plástico, alvenaria; se tinham ou não banheiro; o que era feito com o lixo doméstico; quantos analfabetos, quantas eram crianças; os que estavam fora da escola, que idade tinham; os que não tinham emprego e tampouco estudavam. Tudo isso armazenado no software da empresa Diagonal, de São Paulo, dava a Teresa e sua equipe, a maioria formada por mulheres, uma radiografia dos muitos problemas a ser enfrentados, como tirar da exclusão mais de 1.500 adolescentes desocupados, a maioria organizada em cerca de 99 gangues e já vivendo à margem da sociedade.

A dificuldade de pôr em prática a gestão participativa, devido ao excesso de ego e de disputa entre secretários, levou a prefeita a buscar uma alternativa inédita: conjugar a gestão pública com a astrologia. Em maio do ano passado, Teresa procurou a astróloga Joana Trautvetter, em Brasília, para fazer seu mapa natal e saber o que andava emperrando sua administração. A prefeita soube que ela era um triângulo de fogo: leonina, com ascendente em áries e lua, que rege as emoções, no signo de sagitário. Depois de um mergulho profundo na posição dos astros, Teresa sugeriu ao seu secretariado fazer o mesmo. A resistência inicial foi grande. Mas hoje a maioria dos cerca de 18 colaboradores diretos, depois do mapa e do curso que está sendo ministrado em Boa Vista por Joana há sete meses, já arrisca definições sobre si abusando do astrologuês. Iraci Cunha, secretária de Gestão Participativa, alma do governo de Teresa, admite que mudou sua relação com a equipe após descobrir o excesso do elemento terra em sua vida. Taurina com ascendente em capricórnio e lua em touro, Mira afirma: “Eu era muito rude na forma de colocar as coisas. Trabalhei o que não é muito bom no meu mapa de forma bastante positiva.” Numa sala, ao lado do gabinete, as amazonas de Boa Vista vão chegando. Todas falam ao mesmo tempo, a descontração é total.

“Buscamos o autoconhecimento. Você pode lidar melhor com as pessoas e com você mesmo. Quem trabalha com gente e não tiver mente aberta não dá tudo que pode”, diz a prefeita, atribuindo melhora considerável no relacionamento da equipe pós-astrologia. A sagitariana Maria Helena Vercíllo, secretária de Planejamento, faz um mea-culpa: “Eu oscilava demais de humor. Ficava difícil”, conta sorrindo.
Os oito homens que estão na linha de frente da administração de
Teresa também mergulharam nos astros e em outras terapias psicocorporais alternativas, todas voltadas para o autoconhecimento, incentivados pela prefeita. O secretário de Agricultura, Eugênio Thomé, é um entusiasta do “modelo astrológico de autogestão”. A cada estufa comunitária – uma das saídas para o desemprego em Boa Vista – que entrega, se emociona. Ele conta que há famílias que tiram até R$ 2 mil por mês com o que plantam organicamente. Thomé já entregou mais de 80 estufas, criando 350 empregos diretos, e pretende montar mais 120 com recursos da Previdência. Nascido sob o signo de áries, justifica a emoção parecendo falar com conhecimento de causa: “Essa lua em peixes é que me faz ser assim.”

Destravados os nós internos, Teresa viu deslanchar projetos sociais, como o Crescer. São cerca de 11 oficinas – marcenaria, serralheria, fabricação de pães, artesanato, teatro, entre outras – que atendem a 544 jovens entre 15 e 21 anos, que recebem uma bolsa de R$ 100 por mês. Mas, para arrancar com força total, Teresa precisa de mais parceiros ou verba federal. Apenas 16% do Orçamento de Boa Vista é de recursos próprios. Williams Tavares, 18 anos, é um dos que se ancoram no Crescer, financiado pelo Unicef, Petrobras e o consulado japonês em Manaus, para se livrar das drogas. Dependente químico desde os nove anos, ele é pai de dois filhos menores de um ano. “Tenho recaídas. É difícil, mas o teatro têm me ajudado a me manter limpo.”

A astróloga Joana Trautvetter, que é arquiteta e urbanista, foi
secretária de Planejamento em Olinda e implantou o Habitat Brasil no Ministério do Planejamento, fala do trabalho com o grupo de Teresa.
“Eles estão empenhados na compreensão dos problemas dentro e
fora da administração. A astrologia foi um facilitador nessa relação.
Fui em cima dos pontos mais fortes de tensão dentro de cada um
e deles em relação à equipe.” Mas Teresa quer avançar mais e não
se importa com os céticos de plantão. Ela – que mudou-se para Boa
Vista em 1987, quando o marido Romero Jucá, hoje líder tucano no Senado, assumiu o governo do Estado – atribui ao planeta mercúrio no signo de virgem a sua obsessão pelo que não fez. “Mercúrio faz com que eu não deslumbre. Quero menos fome, menos desemprego e incluir mais gente no arco da dignidade.”