O governo George W. Bush declara guerra a toda nação hostil a seu país e que tenha programa de desenvolvimento de armas de destruição massiva. Dentro desta lógica, Saddam Hussein deve ser tratado com mano militari. Mas agora o ditador iraquiano pode ter deixado a condição de bola da vez. A Casa Branca confirmou, na quarta-feira 16, que a Coréia do Norte admitiu estar trabalhando num programa clandestino de enriquecimento de urânio que visa unicamente a criação de bombas atômicas. A confissão provocou a imediata anulação de seu acordo de 1994 com os Estados Unidos, para congelamento de atividades na área nuclear. E mais: numa ousadia que soou aos ouvidos de Washington como tom beligerante, os norte-coreanos também declararam ter também “outras coisas mais poderosas” em seu arsenal. Não se sabe ainda se os cientistas do ditador Kim Jong-Il conseguiram produzir alguma ogiva operacional. No dia em que obtiverem sucesso, o artefato poderá ser acoplado ao míssil balístico “Taepo-Dong 2”, com alcance de seis mil quilômetros. O suficiente para atingir alvos em uma dúzia de países, inclusive parte do território americano. Se o Iraque é o lugar da “mãe de todas as batalhas”, a península coreana pode vir a ser muito pior: “a sogra de todas as batalhas”.

As revelações do programa nuclear coreano foram feitas durante a visita, no início do mês, do subsecretário do Departamento de Estado, James Kelly, à capital norte-coreana, Pyongyang. Ele levou na bagagem farto material de inteligência colhido pela Defense Inteligence Agency (DIA), indicando 12 locais suspeitos de atividades ligadas ao programa nuclear. A princípio, as autoridades norte-coreanas negaram raivosamente as acusações. Um dia depois, porém, num lance de honestidade desafiante, confirmaram tudo, denunciaram o acordo de 1994 e indicaram novas ameaças de seu arsenal. A agência de notícias norte-coreana (KCNA) classificou a atitude do enviado americano como “mão pesada e arrogante”, opinião que parece não destoar de um consenso internacional sobre a diplomacia W. Bush. “Resta saber agora como se comportará o governo americano. Se vai procurar o diálogo – única forma de se encontrar uma solução pacífica – e engajar o governo de Pyongyang. Ou se seguirá a linha beligerante, que evoca cenário apocalíptico”, disse a ISTOÉ um diplomata da Coréia do Sul na Organização das Nações Unidas. De sua parte, o governo de Seul procurou o primeiro caminho, manifestando alta preocupação com as revelações, mas salientando que a honestidade da admissão de seus vizinhos pode ser indicação de disposição ao diálogo aberto. No Japão, para onde foram enviados para consultas funcionários graduados do Departamento de Estado americano, o primeiro-ministro Junichiro Koizumi declarou que os esforços de seu país para a normalização das relações diplomáticas com a Coréia do Norte – uma investida que ganhou força nos últimos meses – vão continuar como prioridade.

Já nos Estados Unidos o clima era de estupefação diante da descoberta. Até agora se sabia que a Coréia do Norte havia feito incursões no campo do enriquecimento de plutônio, um programa que gerou o acordo de 1994 segundo o qual os norte-coreanos congelariam suas atividades em troca de ajuda humanitária do Ocidente, na forma de envio de medicamentos e alimentos ao país, além da busca de maior cooperação no campo da energia nuclear para fins pacíficos. Este achado do programa clandestino, porém, deixa os moderados e pacifistas americanos em situação, no mínimo, constrangedora. Afinal, validou-se a tese do presidente George W. Bush de que não se pode confiar em países do “eixo do mal” como a Coréia do Norte. As consequências disso podem ser mais rufares de tambores na Casa Branca e o escalamento da vocação guerreira de seus ocupantes. Lembra-se, porém, que a península coreana é a região mais militarizada do planeta, e qualquer ação militar no local terá resultados catastróficos.