Na largada para o segundo turno das eleições presidenciais, a distância entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB) se mantém na média dos 28,5 pontos porcentuais. A montanha-russa com o dólar subindo depois do primeiro turno e a insistência do tucano em tentar se aproximar do adversário usando os debates – ou a ausência deles – na tevê, por exemplo, não alteraram a indicação de voto do eleitorado brasileiro. É o que mostra a pesquisa exclusiva ISTOÉ/CNT/Sensus, feita entre os dias 14, início do horário eleitoral no rádio e na televisão, e 16. Lula tem 59,3% (65,8% dos votos válidos) contra 30,8% de Serra (34,2 dos votos válidos).

O que também está ajudando a consolidar a onda Lula no País, em termos técnicos, é o alto índice de rejeição ao tucano Serra: 52%. Este número cruzado com o limite de votos que Serra pode obter em 27 de outubro (leia quadro) faz com que a rejeição se eleve negativamente em meio ponto porcentual, passando para 52,5%. Para Ricardo Guedes, diretor do Instituto Sensus, a situação eleitoral de Serra é muito difícil. “Pela experiência que nós temos, um candidato com 40% ou mais de rejeição terá problemas para se eleger no segundo turno,” afirma. Já o presidente da CNT e vice-governador eleito de Minas Gerais, Clésio Andrade (PFL), acredita que não existem fatos novos capazes de mudar o quadro eleitoral. “O povo está acreditando em Lula.”

Vencer o muro da rejeição passa a ser uma tarefa hercúlea para o tucano e sua equipe. Se não são 12 os trabalhos, como os realizados pelo herói grego, que chegou a estrangular um leão com as próprias mãos, a missão de virar a eleição seria um feito histórico. Segundo Guedes, a enxurrada de votos em Lula, que se repete no segundo turno, e no primeiro turno alavancou os candidatos do PT nos quatro cantos do País, não é uma reação psicossocial, tampouco mitológica. O que anima a opção por Lula é um sentimento real do eleitorado e está baseado em razões que o povo conhece. Os baixos salários e o desemprego são pontos-chaves. Em 1994, início do Plano Real e ano da primeira vitória eleitoral de Fernando Henrique Cardoso, Guedes, Ph.D em ciência política na Universidade de Chicago, realizou estudos que apontam que o poder de compra do salário estava 40% acima do estimado no ano anterior. Já em 1998, ano da disputa pela reeleição, esse poder foi reduzido em 30%, mas ainda se mantinha positivo em 10%. Hoje, no entanto, o poder de compra do salário está 10% negativo comparado a 1994. O desemprego, medido trimestralmente pela Sensus/CNT, dobrou nos últimos cinco anos e atingiu 12% da população acima dos 16 anos, o que significa 20% da força de trabalho brasileira fora do mercado. Ou seja: uma em cada cinco pessoas que integram esta categoria está desempregada. A força de trabalho no País representa 60% do eleitorado.
 

Curiosidades – Conforme mostram os cruzamentos feitos com duas mil entrevistas em 24 Estados, com margem de erro de 3%, Lula vence Serra em todas as regiões – inclusive no Sul, onde se encontra a menor diferença: 51,4% contra 40,9% – e em todas as faixas de renda, escolaridade, idade e sexo. Uma das curiosidades dessa eleição, observadas ao longo das 56 rodadas de pesquisa da Sensus, está no comportamento do eleitor. No primeiro turno, ressalta Guedes, a primeira escolha foi caracterizada pela lógica de terceira via, representada em momentos diferentes por Roseana Sarney (PFL), Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB), na reta final. “No segundo turno, entre governo e PT, a terceira via radicaliza. O eleitor viu seu objetivo inviabilizado e o PT renovado, próximo da social-democracia européia, fazendo alianças com flexibilidade”, afirma. Guedes classifica tecnicamente esse pensamento como processo de tentativa e erro. Não prevalece o domínio do medo, mas a capacidade de tentar o novo. “O custo-benefício do voto no Lula é maior. Para o eleitor, é melhor absorver o risco do que deixar como está.”

Para dificultar ainda mais os caminhos do tucano, conforme apontam estudos de grupo, Serra tem problemas para sustentar junto ao eleitorado ser a solução quando o que representa é o governo, sem contar a migração de votos daqueles que no primeiro turno optaram por Ciro Gomes ou Garotinho, candidatos identificados com a oposição. O petista, no quesito alianças, mais uma vez saiu na frente. “Ainda em fase de estudos, essa transferência para Lula está sendo maior do que pensávamos”, ressalta Guedes. O comportamento de Serra, que criou atritos com líderes políticos em vários Estados importantes, fez com que o tucano tivesse um desempenho fraco em Estados como Maranhão, Ceará, Minas, Paraná, Santa Catarina e Bahia.

Insistir nos programas de tevê do PSDB que Lula foge dos debate, do confronto de idéias, também não surtiu o efeito esperado pelos tucanos. Os eleitores, tanto de Lula quanto de Serra, não mudariam seus votos, caso um ou outro não participasse de debates. “Os que mudariam não representam grande coisa. Do resultado geral, 64,8% não mudam de voto influenciados pelo não-comparecimento a esses eventos muito explorados no primeiro turno”, ressalta Guedes. Lula e Serra vão participar de apenas um debate, o da Rede Globo, marcado para o dia 25. A tentativa de disputar o voto do eleitorado questionando o preparo de Lula e também pintando um quadro de desestabilização da economia com uma possível vitória de um candidato de esquerda não colou. Pelo menos até agora.

Dólar – Na pergunta sobre qual dos dois candidatos tem mais capacidade para administrar os problemas econômicos que o País está vivendo, 44,8% dos entrevistados preferiram Lula, contra 31,1% que optaram por Serra. A alta do dólar foi debitada na conta da equipe econômica de FHC, que tem índices de avaliação pouco positivos e pouca capacidade de transferir votos para seu candidato. Dos entrevistados, 34,1% atribuíram a alta da moeda americana à “incompetência da equipe econômica”, contra, por exemplo, 7,7% que atribuíram à “possibilidade de vitória da oposição”. Guedes analisa que, na visão do mercado, a crise financeira é algo que provém da fragilidade das contas nacionais somado ao efeito Lula. “Para o eleitor, a crise é vista como um problema do governo. Quanto mais o dólar sobe, mais a crise se amplifica e a probabilidade de Serra vencer se torna cada vez menor.”

O presidente da CNT, Clésio Andrade, traduz os números, ressaltando que o povo vê em Lula a possibilidade de ter um governo que entenda seus problemas. “Ele se voltará mais para o País do que seu adversário. Lula conhece o País não só por ter viajado por ele, mas por ter conhecido, em sua história de vida, essas dificuldades.” Clésio, que formalizou seu apoio ao petista na quarta-feira 16 em Brasília, ao lado do governador Itamar Franco, deputados e prefeitos mineiros, justifica a adesão: “Como empresário, vejo em Lula a volta do investimento em infra-estrutura, no social, o retorno de um ciclo positivo de desenvolvimento. É a pessoa certa para começar a mudança de rumo. O País atravessa uma crise difícil, a insatisfação é alta e vamos precisar de um governo com apoio popular para evitar o caos e as adversidades.”