Sem conseguir tirar a dianteira do petista Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência da República, os aliados do candidato tucano José Serra já dão mostras de desânimo nesta reta final da campanha. Começou pelo maior líder do PSDB, o presidente Fernando Henrique Cardoso, contaminou boa parte do partido e agora até a cúpula do PMDB, que marcou uma reunião para definir o futuro do partido para a próxima quarta-feira 23. “Vamos esperar as pesquisas até a terça-feira. Se ele não crescer entre 8 e 10 pontos, fica difícil. Mas nós temos lealdade e vamos até o final”, explica-se o presidente do PMDB, Michel Temer. Em público, todos os aliados mantêm as declarações de apoio e juras de fidelidade. Reservadamente, entretanto, confessam que em um espaço de tempo tão curto só um “milagre” poderia inverter a diferença de quase 30 pontos pró Lula, apontada em todas as pesquisas de segundo turno.

Além de reclamações e crises, a campanha dos tucanos está raspando o fundo do cofre para chegar ao final da eleição. As queixas sobre falta de material publicitário estão por todos os Estados. Na terça-feira 15, no começo da noite, FHC convocou para uma reunião no Palácio da Alvorada os líderes dos partidos que o apoiaram nestes oito anos de governo. O convite serviria para uma troca de idéias sobre alternativas a fim de inflar a delicada candidatura Serra. Na manhã seguinte, atenderam ao chamado os peemedebistas Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL), Geddel Vieira Lima (BA); os tucanos Artur Virgílio (AM), José Aníbal (SP) e Jutahy Magalhães (BA); além dos pefelistas Marco Maciel (PE) e Heráclito Fortes (PI). FHC abriu o encontro anunciando um tardio e eufórico engajamento na chapa tucana: “Estou aqui num ato de campanha para fazer o Serra ganhar a eleição. Podem anunciar isso.” A declaração surpreendeu a todos. Afinal, na noite anterior, durante a solenidade de posse no novo presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), ele na prática desautorizou publicamente a linha dura adotada pelo aliado José Serra nos programas de televisão. Na tribuna do auditório lotado de pesos pesados da indústria – de frente para o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), e o candidato a vice de Lula, o senador José Alencar (MG) –, Fernando Henrique desaprovou a tática do terror econômico e da insegurança, inaugurada na noite anterior pela atriz Regina Duarte no programa de tevê dos tucanos.

Na esteira do aumento das taxas de juros, Serra recebeu a segunda má notícia do aliado FHC na mesma semana: “As instituições estão cada vez mais fortes. Estão tão fortes que fico irritado quando ouço, aqui e ali, dizerem: ‘Ah, mas se ganhar fulano ou beltrano…?’ Se ganhar fulano ou beltrano não vai acontecer nada!” A inusitada declaração caiu como uma ducha de água fria nos aliados de Serra. Todos eles interpretaram a “irritação” como uma repreensão ao novo estilo dos programas eleitorais de Serra. Mais: um dos principais dirigentes da campanha de Serra confessou na mesma noite a ISTOÉ que o discurso equivaleu a uma confissão de derrota: “O presidente já entregou os pontos, não tem mais jeito. No discurso, ele jogou a toalha”. Foi por isso e após ouvir reclamações do próprio Serra, que FHC tentou corrigir o mal-estar no dia seguinte. Garantiu aos aliados que havia se referido apenas à solidez democrática e econômica, nada de eleição. Mandou o porta-voz do Palácio do Planalto repetir a mesma coisa.
Todo mundo fingiu que acreditou.

Previsões sinistras – Na reunião de FHC com os líderes no Alvorada foram discutidas estratégias para a reta final da campanha, entre elas promover megacomícios na última semana, municipalizar a campanha mobilizando prefeitos aliados, aprofundar as críticas aos “desastres de administrações petistas” e bater firme na inviabilidade das promessas de paraíso feitas por Lula. Nesse ponto, da eficácia ou não das estratégias, a conversa descambou para sintomáticas análises de cenários futuros. O próprio FHC, confirmaram dois dos presentes ao encontro, fez nebulosas previsões sobre uma eventual gestão petista. “Vai ser cometido um erro em um único dia e a população vai pagar por ele durante quatro anos”, escorregou o presidente. Acusando o PT de promover um “estelionato eleitoral” para vencer e que o partido não irá conseguir cumprir as promessas vendidas, FHC foi mais ácido e mais catastrofista: “Se ganhar, ele (Lula) pode ser um novo Jango, com sucessivas crises”, comparou, referindo-se ao conturbado período do presidente João Goulart, marcado por pressões dos Estados Unidos e de grupos conservadores que desaguaram no golpe militar de 1964. FHC, claro, não se referia a golpes, mas aos vários conflitos surgidos durante os 13 meses da gestão de Jango. As previsões soturnas se referiam à conjunção de um quadro econômico pessimista, com juros altos, aumento da dívida interna, crescimento baixo, desvalorização da moeda e a crise externa.“O Everardo – Everardo Maciel, secretário da Receita – fez uma mágica ao conseguir uma arrecadação extra de
R$ 15 bilhões, e ainda assim fomos obrigados a ir ao FMI. Agora, imagine como vai ser com o Lula”, arrematou, dizendo acreditar num quadro de agravamento da crise econômica no início do próximo ano. Na mesma reunião dos líderes, o vice Marco Maciel, eleito senador, confidenciou aos demais o apimentado diálogo de pé-de-ouvido ocorrido entre ele e o empresário Antônio Ermírio de Moraes, na solenidade da CNI. Ermírio, serrista de carteirinha, perguntou: “Você confia nesses dois?”,
apontando para José Dirceu e José Alencar, que já estavam no auditório. “Eu não”, respondeu Maciel. “Eu também não confio”, devolveu Ermírio.
Na quinta-feira 17, FHC voltou a abordar as eleições com vários interlocutores. A um deles se mostrou menos enfático, mas igualmente resignado. “Fiz o que tinha de fazer. Agora está no piloto automático, na mão das urnas”, conformou-se.

Futuro – As declarações públicas e reservadas de FHC irritaram Serra mais do que os zumbidos dos mata-mosquitos. Por outro lado, deflagraram uma operação “day after” entre a atual base governista na hipótese de vitória do PT. Os chefões do PMDB, que já foram sondados para apoiar a governabilidade em uma eventual administração Lula, começaram a trocar opiniões sobre o papel do partido se Serra perder. O presidente da legenda, Michel Temer, que recebeu uma ligação do presidente do PT, José Dirceu, ainda no primeiro turno, é mais sensível ao argumento da governabilidade, mas, caso o PT vença, condiciona o apoio a uma agenda mínima e divisão do controle das duas casas do Congresso. Já os líderes Geddel Vieira Lima e Renan Calheiros, caso Lula vença, preferem o caminho da oposição como forma de dar mais organicidade ao partido e limpar a nódoa fisiológica do grupo. “Se for Lula, temos que ir para a oposição e montar nosso projeto, mas vamos brigar pelo Serra até o limite”, diz Geddel. Entre os tucanos, a divisão se repete. Aécio Neves, eleito governador de Minas Gerais, disse que vai trabalhar até o último dia para a vitória do tucano, mas, se não for possível, defende que o PSDB dê sustentação no Congresso ao presidente eleito. “O partido é vital na governabilidade. Se o Serra não chegar lá, devemos fazer o que o PT nunca fez conosco”, argumenta Aécio, que pode contar com outros governadores tucanos. É exatamente o contrário do que pensa o líder do partido na Câmara, Jutahy Magalhães Júnior (BA). “O PT, ganhando, cabe a ele governar. Se nós perdermos, o papel do PSDB será a oposição”, afirma. Se as pesquisas não errarem e não ocorrer nenhuma surpresa eleitoral de última hora, o PT está bem próximo do Palácio do Planalto. No Congresso, o partido poderá contar com uma frágil maioria reunindo os partidos de esquerda, o PL e o PTB. Mas, para aprovar as reformas prometidas tão facilmente na campanha, será necessário atrair o PMDB ou o PSDB, ou fatias dessas legendas. É esperar para ver.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias