Na cidade de Miguel Leão, interior do Piauí, democracia é uma ficção. Lá sobrevivem juntos o feudalismo, o coronelismo e o clientelismo. São cerca de 1.400 habitantes e menos de 800 eleitores. Desde 1963, quando o fazendeiro e ex-deputado Altamiro Leão resolveu transformar em cidade as poucas casas de taipa dos empregados da sua fazenda, a família mantém o poder no lugar. No primeiro turno, somente 12 pessoas da zona urbana votaram nos candidatos contrários à família Leão. “Lá a oposição se acabou”, comemora Miguel de Arêa Leão, secretário de Administração e filho mais velho da prefeita Edna Leão. Ele é, ao mesmo tempo, ex-prefeito, porta-voz da mãe, filho do criador do município e neto homônimo do patriarca que deu o nome à cidade. Junto a Miguel, também são secretários municipais os irmãos Bismarck e Ivone. O vice-prefeito, o chefe de gabinete e o secretário de Esportes são sobrinhos da prefeita.

Em todo o município, os candidatos da família Leão abocanharam, em média, 75% dos votos para governador, senador e presidente. O governador Hugo Napoleão (PFL) perdeu a eleição, mas em Miguel Leão ganhou com 65% dos votos do governador eleito Welington Dias, do PT. Serra ficou com 54% e Lula com 23%. Todas as 200 casas do município foram construídas ou reformadas pela prefeitura. Até 1988 tinham paredes de taipa e cobertura de palha.

Hoje quase todas são de alvenaria. Até a planta das casas e o endereço são escolhidos pelos filhos da prefeita. Para ter ou reformar uma casa com 60 metros quadrados e energia elétrica, o morador tem que cumprir apenas um requisito: votar obrigatoriamente na família Leão ou em seus candidatos. Quem discordar, perde a moradia ou vive numa casa prestes a desabar.

“As casas são emprestadas a quem reza na cartilha da família. É uma brutal ilegalidade”, denuncia o juiz Édison Leitão Rodrigues. A perseguição da família Leão aos opositores também faliu o comerciante Raimundo de Araújo. Eleitor declarado do PT, Araújo conta que quase não recebe clientes no seu bar e mercearia porque a família Leão proíbe. “São uns covardes”, desabafa. A prefeita Edna Leão tem uma explicação para o apego à cidade criada pelo seu marido, morto em 1995: “Se a oposição ganhar, onde meus filhos vão trabalhar?”