Ninguém gosta de experimentar o medo. Mas há os que costumam incutir esse sentimento angustiante nos outros. Em política, essa prática é corriqueira. Nas campanhas eleitorais, o medo transforma-se numa verdadeira arma. Na reta final da disputa pelo Palácio do Planalto, essa palavrinha incandescente ateou fogo na cena. O candidato do PSDB, José Serra, foi quem acendeu o fósforo. Na propaganda eleitoral gratuita de rádio e tevê, o tucano tenta convencer os eleitores de que a eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva poderá trazer o caos e a volta do dragão da inflação. O candidato tucano lança mão de seu último recurso para tentar vencer Lula. Afinal, o petista já tem 65,8% dos votos válidos, contra 34,2% de Serra, segundo pesquisa ISTOÉ/Sensus/CNT. Mas o pavor é uma munição conhecida. Há 13 anos, Lula sentiu o impacto do tiro disparado pelo seu adversário Fernando Collor de Mello. Naqueles tempos de guerra fria, quando ainda existia a União Soviética, Lula, apesar de ter sido sempre um crítico do chamado socialismo real implantado no Leste Europeu, foi alvejado pelas acusações de comunista. A propaganda collorida dizia que o petista iria dividir apartamentos e confiscar a poupança. Em 1989, o marketing do terror colou. Nos dois pleitos presidenciais seguintes, em 1994 e em 1998, FHC navegou confortável, ancorado no sucesso do Plano Real. O eleitor não foi assombrado com fantasmas.

Construção – Se em 1989 Lula amarelou com a campanha do medo, hoje, aos 57 anos (a serem completados no dia da eleição, domingo 27), calejado por três derrotas consecutivas, procura demonstrar tranquilidade. Ele rebate o medo com outra palavra forte: “Enquanto eles fazem a campanha do medo, eu faço a da esperança.” Se por um lado Serra corre o risco de aumentar sua rejeição por fazer propaganda negativa, Lula também se arrisca ao propagar com toda a força a esperança, num momento em que o País amarga uma crise econômica que ameaça podar boa parte de suas promessas. Mal soube que o jogo não havia terminado no dia 6 de outubro, Lula saiu em campo para finalizar o trabalho de construção de um ambiente de governabilidade. Costurou, com sucesso, apoios com todos os segmentos da sociedade: de sindicalistas a empresários pesos pesados. Também
atraiu representantes de todos os partidos políticos, incluindo PFL, PPB e PSDB. Logo nos primeiros dias do segundo round de campanha, ao
viajar para o Nordeste, Lula sentiu a atração que o poder exerce. Em João Pessoa (PB), por exemplo, agradeceu o apoio do candidato ao governo Roberto Paulino (PMDB), na terça-feira 15. Foi tratado como futuro presidente pela multidão que o recepcionou no aeroporto e o seguiu até o centro, onde o petista discursou em palanque para cerca de 70 mil pessoas, segundo a PM. As pessoas avançavam na sua direção, pediam autógrafos, gritavam seu nome, tentavam tocá-lo, muitos chamando-o de presidente.

Nas ruas, ainda não se percebe efeitos da campanha promovida pelo tucano. Ao contrário, o assédio a Lula é cada vez maior. Mas, mesmo entre as elites que tanto demonizaram Lula no passado, o discurso de Serra, por enquanto, não surtiu efeito. Na quinta-feira 17, a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) abriu suas portas para um dos eventos mais simbólicos da candidatura Lula: a divulgação de um documento histórico, intitulado O Mercado de Capitais como Instrumento de Desenvolvimento Econômico. O texto foi elaborado durante três meses por equipes do PT e de 24 entidades do mercado de capitais, entre elas a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban). A idéia é criar mecanismos para o crescimento da produção através do fortalecimento do mercado de capitais. Algumas propostas defendem o uso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para financiar a produção
e o incentivo ao desenvolvimento dos fundos de pensão. O anfitrião da cerimônia era o presidente da Fiesp, Horacio Lafer Piva, que não poupou elogios ao “banho de votos” que o PT deu na eleição, referindo-se principalmente ao senador eleito Aloizio Mercadante (SP), um dos interlocutores de Lula no evento, que teve mais de dez milhões de
votos. Outros dois petistas representavam Lula: o prefeito licenciado
de Ribeirão Preto, Antônio Palocci, coordenador do programa de governo do candidato, e o deputado federal Ricardo Berzoini (SP). “Já nos comprometemos com o superávit primário que for necessário para
garantir a relação da dívida pública com o PIB. Vamos tomar todas as medidas necessárias para tranquilizar o mercado”, chegou a dizer Palocci. O clima já era de transição para um eventual governo Lula. “É um documento importante para que possamos logo de partida sair com uma agenda mínima, que começa no dia seguinte à eleição. É um ponto de partida para que o próximo governo já comece acontecendo”, disse Piva. Ao lado de Humberto Casagrande, presidente da Associação Brasileira
dos Analistas do Mercado de Capitais, o presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, fazia coro a Lula na defesa de um pacto
social e rejeitou a teoria do temor a Lula: “O trem fantasma já passou. Não podemos ter medo de nada. Nós podemos vencer desde que a sociedade civil esteja articulada.”