A Copa do Mundo tem 72 anos de história. E não é exagero dizer que, há 72 anos, o mundo espera por uma batalha entre Brasil e Alemanha dentro de uma Copa. Pois o dia D, o dia do jogo que o mundo esperou, está chegando. Os dois gigantes nunca tinham se enfrentado numa partida do torneio desde 1930. Mas dessa vez resolveram medir forças e disputar território justamente na final, marcada para as oito horas da manhã de domingo 30, no Stadium Yokohama, no Japão. No apertado 1 a 0 contra a Turquia, a estrela de Felipão brilhou mais uma vez. Os crentes em Deus poderão acreditar que o técnico recebeu de Nossa Senhora de Caravaggio, sua santa de devoção, um aviso para manter Ronaldo no segundo tempo, apesar da fraca atuação e do visível temor de encarar as bolas divididas na etapa inicial. O Fenômeno voltou com tudo, superou as dificuldades e, aos quatro minutos do segundo tempo, numa bela jogada individual, fez de bico o gol salvador. “Foi um biquinho sagrado, à la Romário”, comentou o craque após o jogo. Aos 22 minutos, após deixar os companheiros na cara do gol em pelo menos duas oportunidades, foi substituído por Edílson e saiu de campo ovacionado. “Quando vi o Ronaldo cortar o cabelo daquela forma, percebi que ele estava se preparando de uma maneira diferente para o jogo e iria arrebentar”, disse um emocionado Felipão após o jogo. “Não deu outra. Estamos muito felizes e o povo brasileiro, imagino, deve estar eufórico. Vamos comemorar esta noite. A Seleção Brasileira joga com o coração. Arigatô, Japão.”

O que estará em jogo não será pouco. As duas seleções estiveram em 12 das 16 finais anteriores. Juntas, possuem sete títulos – quatro do Brasil e três da Alemanha – e cinco vice-campeonatos, três para os alemães e dois para os brasileiros. Nos ranking das Copas, o Brasil está na primeira e a Alemanha, na segunda colocação. De um lado, há o talento do imprevisível Ronaldinho Gaúcho, o show de vitalidade de um amadurecido Roberto Carlos, o oportunismo de Ronaldo Fenômeno e o futebol cada vez mais desinibido e eficiente de Rivaldo, este jogador que se reinventou. Do outro, Oliver Kahn, o melhor goleiro do mundo, com apenas um gol tomado nesta Copa até a final – sua meta caiu nos acréscimos da partida contra a Irlanda. A média de gol sofrido por partida – 0,14 por jogo – é uma das duas menores da história das Copas, igual à da fantástica seleção da Holanda em 1974, que, por sinal, foi derrotada na final pelo time alemão, então comandado por Franz Beckenbauer. Eles contam também com o oportunismo do atacante Klose, vice-artilheiro da Copa ao lado de Rivaldo, com cinco gols.

E também com a habilidade do volante Dietmar Hamann e do meia atacante Oliver Neuville, suíço naturalizado alemão. No próximo final de semana, o mundo poderá conhecer um novo tetra, a Alemanha, que terá a chance de lutar pelo penta em casa, em 2006. Mas a força da família Scolari e o talento dos craques canarinhos nos habilitam a acreditar que as chances dos adversários serão anuladas. É hora de sonhar com um pentacampeonato colorido de verde e amarelo. Com o
respeito devido, que venham os alemães!

Apesar das dificuldades e da disposição do adversário, a atuação do Brasil na partida contra a Turquia, pelas semifinais, na manhã de quarta-feira 26, mostrou que o Brasil tem motivos para sonhar com o penta. O trio da defesa não repetiu a atuação brilhante da partida contra a Inglaterra, mas mostrou segurança e deixou a comissão técnica e os torcedores um pouco mais confiantes. Contra os turcos, o melhor jogador não foi Rivaldo ou Ronaldo Fenômeno, mas o lateral Cafu, que esbanjou raça, fez lançamentos certeiros e não perdeu sequer uma disputa de bola. A campanha brasileira de 2002 lembra muito a do tetracampeonato de 1994. Nos Estados Unidos, o time penou para ganhar de adversários aparentemente fáceis como a Suécia, mas conquistou o título.

O rival do Brasil, a Alemanha, sempre colocou a habilidade de jogadores como Beckenbauer, Müller e Rumenigge a serviço da força. Eram “divisões Panzer”, no melhor estilo blitz-krieger, arrasaquarteirão. A exemplo de Felipão, o seu treinador, o ex-atacante Rudi Voller, foi contestado, mas resistiu à péssima campanha na Eurocopa 2000 e até mesmo a uma humilhante goleada de 5 a 1 imposta pela Inglaterra nas Eliminatórias, em Munique. Após a classificação na agonia da repescagem, contra a Ucrânia, Voller teve o mérito de recolher os cacos e montar um time pragmático, gelado, um canhão de um único tiro, mas preciso como poucas armas. Uma equipe que estaria plenamente satisfeita se o gol valesse a metade, um quarto ou um décimo do que vale, desde que o adversário fizesse ainda menos do que isso. Nos últimos três jogos, a filosofia foi seguida à risca. Foram três vitórias por 1 a 0, a última delas contra a Coréia do Sul, o surpreendente bicho-papão que despachou para casa Portugal, Itália e Espanha. O jogo foi equilibrado. O alemão Michael Ballack só conseguiu marcar o gol salvador aos 29 minutos do segundo tempo, calando os 55 mil eufóricos torcedores sul-coreanos no Seul Stadium. A “nova” Alemanha fez seu jogo típico: neutralizou o adversário com uma defesa bem colocada e muita marcação, contou com a “barreira” Kahn para não levar gol e deu o tiro mortal na hora certa. Futebol feinho, insosso, mas eficiente. Ballack foi o herói da partida, mas levou o segundo cartão amarelo da fase final e está fora da decisão. É bom jogador. Tomara que faça muita falta.

O time alemão de hoje é um bom espelho dessa Copa onde as zebras galoparam alegres pelos belos gramados coreanos e japoneses. O time chegou ao Mundial desacreditado. Jogadores importantes, como o líbero Jans Nowotny, e os armadores Mehmet Scholl e Sebastian Deisler se contundiram e ficaram em casa. O técnico Rudi Voller acabou levando para Coréia e Japão um time laboratório, metade composta por jovens com pouco mais de 20 anos, que ninguém na Alemanha acreditava que fosse muito adiante da fase de classificação. A impressão que o time de Voller passa é que não existe muita diferença entre zagueiros e meio-campistas. Todos marcam com o mesmo vigor e, quando recuperam a bola, trocam passes no estilo alemão rumo ao ataque. A ausência, na final, de Ballack, um armador de nada menos que 1,91 m de altura, não chega a mudar muito as coisas. Voller pode escalar Lars Ricken, um armador puro, cérebro do Borussia, campeão alemão, ou fazer uma mistura de cinco jogadores no meio, com Hamman, Ramelow (que joga normalmente na zaga) e Schneider se encarregando, em rodízio, de fazer o papel de Ballack na criação dos ataques. E os alemães ainda têm a jogada aérea, tormento de todo time brasileiro.

O Brasil, que tem feito partidas duras com praticamente todos os adversários, vai precisar de muita paciência e movimentação de seus atacantes para furar a muralha alemã. A velocidade de Ronaldinho Gaúcho será fundamental para municiar Rivaldo e Ronaldo. Ou para permitir ao próprio Ronaldinho a criação de lances como o do primeiro gol contra a Inglaterra, a grande partida do Brasil até agora. Os brasileiros acreditam que o talento dos comandados de Felipão fará a diferença. “Felipão apostou em um grupo solidário e vai ganhar a Copa. Palmas para ele e sua família”, disse o ministro dos esportes Caio Luiz de Carvalho. O duelo agita até o circo da Fórmula 1. Na manhã da quarta-feira 26, o alemão M ichael Schumacher e o brasileiro Rubinho Barrichello estavam em Paris para o julgamento da marmelada produzida pela Ferrari no último GP da Áustria. A equipe foi multada em US$ 1 milhão e os dois saíram da reunião direto para a frente de uma tevê (leia as opiniões nesta página). A Alemanha é forte, mas há um cheiro cada vez mais forte de penta no ar. Tomara que o faro dos brasileiros não esteja enganado.

Com reportagem de Eduardo Hollanda (Brasília) e Marcos Pernambuco (Rio de Janeiro)

Na geral

“Agora ninguém me segura. Eu e Michael estaremos em lados opostos. Vou vencer”
Rubinho, um brasileiro

“Será uma final agitada.
Desculpe-me, Rubens, mas vou torcer muito para meu país
Schumacher, louco
por futebol

 

“A Alemanha é campeã em dureza, grossura e falta de inspiração. Vai ter que dar Brasil”
Nando Reis, músico e otimista

“Se marcarmos as bolas aéreas e neutralizarmos os contra-ataques, a taça será nossa”
Thierry Figueira, ator e dublê de Felipão

“Precisaremos embrulhar aquela defesa para presente, como Jairzinho fez com a Inglaterra em 1970”
Paulo Miklos, um titã de torcedor

“Estou levando a maior fé na xereca capilar do Fenômeno”
Rita Lee, que torce para que o Brasil chame os alemães para um Baila comigo