Maior artista do século XX, fundador da arte moderna, gênio. Por melhor que seja o epíteto dado a Pablo Picasso, ele será incompleto. O espanhol é um destes artistas surgidos de tempos em tempos só para relembrar que os humanos são basicamente feitos de emoções. Nascido na cidade de Málaga, este andaluz levou seus sentimentos ao paroxismo, imprimindo-os em telas, cerâmicas e gravuras. Estas, aliás, podem ser lidas como um diário. Quando as produzia, Picasso registrava na matriz o dia da sua criação. É fácil, portanto, notar o humor e o amor – ou ódio – que o moviam. Os brasileiros já puderam ver algumas pequenas amostras do Picasso gravurista, mas agora os moradores e visitantes de três capitais terão a magnífica oportunidade de apreciar uma das mais completas coleções de gravuras do artista. A exposição Picasso gravador, com parte do acervo do museu Rainha Sofia, de Madri, traz 95 obras produzidas entre 1930 e 1970 que estão sendo exibidas até 1º de dezembro no Conjunto Cultural da Caixa Econômica Federal, em Brasília. Depois, segue para Belo Horizonte e Porto Alegre.

Em suas gravuras, Picasso utilizou as técnicas água-forte, linóleo, litografia, água-tinta e ponta-seca. Na mostra, encontram-se exemplares da Suíte Vollard, feita por encomenda do marchand Anbroise Vollard; da Série 347; da Série 156; além de peças avulsas. A exemplo do que aconteceu com sua pintura, a gravura de Picasso também galgou fases. Das 100 obras que compõem a Suíte Vollard, 36 estão sendo exibidas. Revelam principalmente a paixão do artista pelo minotauro, figura mitológica que mistura homem e animal. São gravuras de grande intensidade sexual, revelada pela força, pela beleza e pela violência estampadas num traço inconfundível. Na Série 347, ele exprime o gosto em falar da própria arte. É quase uma metalinguagem. A diversidade da obra de Picasso é tão grande que às vezes fica difícil acreditar que as gravuras tenham sido produzidas por um mesmo autor. Na expressão dos sentimentos, percebe-se um jovem poético e brincalhão, um adulto raivoso e um velho libidinoso. Picasso oscila entre imagens de pureza extrema, como em Alegria maternal, e a devassidão absoluta mostrada na Série 156, finalizada pouco tempo antes de sua morte, ocorrida aos 91 anos, em 1973. Neste conjunto, a vida dos bordéis é exposta nos mínimos e mais despudorados detalhes.

Inocência é uma exceção na obra e na vida do artista. A força de uma sexualidade sem limites está entranhada como uma das características mais constantes do seu trabalho. Não à toa seus biógrafos contam sete casamentos e outras tantas uniões informais. Picasso mantinha a mira voltada para belas mulheres, que não resistiam à urgência com que ele gostava de viver. “De manhã, a missa; de tarde, os touros; à noite, o bordel” era a expressão usada por ele para descrever um domingo ideal. Touros, toureiros, prostitutas e cafetinas, sempre vivamente desenhados, integram a mostra feita de algumas imagens que podem chocar os mais pudicos devido à crueza dos detalhes. Um olhar mais atento, contudo, ajuda a perceber em cada peça, e no conjunto, um clima de verdadeira sacralidade ao sexo. Sacralidade pagã, em clima dionisíaco. Na elaboração, a rigidez da técnica é total. Dos mais simples esboços, semelhantes a estudos, às complexas gravuras em cor, o trabalho é primoroso.