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Nesta sexta-feira, dia 21 de dezembro de 2012, muita gente vai olhar para o céu pensando: "Os maias estavam enganados!". Essas pessoas não sabem, mas estarão imitando um ritual diário protagonizado centenas de anos atrás por indivíduos de uma das civilizações mais sábias que já habitaram o planeta Terra.

Os maias eram fascinados pelas estrelas. Sem telescópios, sustentavam os estudos em observações a olho nu. Mesmo assim, obtiveram desempenho notável em descrever as posições do Sol, da Lua, de Marte e Vênus. Tanto é que o propalado calendário maia – na verdade, uma conjunção de calendários diferentes, interligados e cíclicos – é muito preciso, embora não se contasse com instrumentos científicos utilizados hoje.

Um ciclo termina na sexta-feira. E outro começa imediatamente: "O tempo para eles era cíclico, portanto nada mais natural do que acabar um e começar outros", explica o historiador Vinícius de Lima Borba. "A crença ainda via essa troca de calendário como uma troca de ‘humanidade’ – daí dizer que a nossa vai acabar para começar outra".

O zero

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A origem de alguns de seus conhecimentos configura-se como mistério para os cientistas e pesquisadores de hoje. Sabe-se, no entanto, que uma de suas principais contribuições foi a criação do número zero, conceito desenvolvido apenas séculos depois em outras culturas. Mas seu sistema numérico diferia do atual: tratava-se de uma composição vigesimal, e não decimal.

A matemática podia ser observada também em suas construções, precisas e regidas por rigorosos esquemas. A arquitetura maia compreende milênios, mas é mais reconhecível em suas pirâmides escalonadas. Alguns de seus templos tinham janelas especiais para observações celestes e eram construídos de forma a privilegiar o acompanhamento de rotas dos astros.

"Fazendo um comparativo, os egípcios construíram toda a sua arquitetura sem trabalhar com o conceito de zero, que é abstrato. Já os maias conheciam e trabalhavam com esse conceito e o usaram no seu calendário", diz Borba.

Geralmente, os maias apagavam toda a escrita das paredes dos antigos reis assim que um novo monarca tomava posse. Mesmo assim, é possível afirmar que seu sistema de escrita era mais avançado do que o dos outros povos pré-colombianos. "A escrita maia começou a ser decodificada a partir de 1960, e hoje a maior parte dela é decifrada, facilitando assim a interpretação de alguns documentos", afirma Lambert.

Múltiplos calendários, reis e deuses Umas das características peculiares dos maias era que eles não constituíram um império como os seus sucessores pré-colombianos – os astecas e os incas. Seus povos e suas cidades não eram dependentes de um único rei. "Temos vestígios arqueológicos da Civilização Maia que datam por volta de 300 a.C, mas o ápice da civilização foi entre 250 d.C até 900 d.C", conta Marcelo Lambert, historiador e especialista em História das Américas, autor do livro Civilização Maia – História e Pensamento(Scortecci Editora, 2010).

Choque cultural No livro História da Conquista da Nova Espanha, Bernal Díaz del Castillo narra o horror dos espanhóis ao desembarcarem em Iucatã, em 1517. Mas o motivo do espanto não eram os maias, que surgiram em canoas trajando túnicas de algodão, e sim os ídolos de argila, que se perfilavam com cabeças monstruosas e gestos "diabólicos".

O choque cultural seria intensificado com a descoberta espanhola de que o sacrifício fazia parte do cotidiano desse povo. As oferendas fatais aos deuses ocorriam até após partidas do que os espanhóis chamaram de "juego de pelota".

Houve jogos de bola em diversas civilizações mesoamericanas. Muitas vezes, a versão maia encenava ou representava conflitos entre deuses. No campo, apresentava de 2 a 5 jogadores por equipe, cada um com proteção especial na cabeça, nos quadris, joelhos e cotovelos. Apenas essas partes do corpo podiam atingir a bola, a qual media entre 25 e 30 cm, pesava entre 1,5 e 3kg e se constituía de látex. O objetivo: alçar a bola até um arco, bem no alto.

Trinta calendários

Na entrevista a seguir, o historiador Marcelo Lambert, que promoveu uma expedição para perscrutar os vestígios e o legado da civilização maia em 2010, explica como eram organizados os calendários maias, qual sua relação com o dia 21 de dezembro de 2012, por que algumas pessoas acreditam que esse povo tinha conexão com extraterrestres e ainda como os descendentes dessa civilização lutam para manter costumes e preservar tradições.

O que de fato o calendário maia diz sobre o dia 21 de dezembro de 2012?


Marcelo Lambert – Diz que teremos apenas uma mudança de ciclo calendárico. Não existe nenhum documento ou registro, seja ele qual for, em que os Maias citaram que essa data significaria o final dos tempos. Para eles, iremos entrar em um novo tempo, um novo ciclo.

Como era organizado esse calendário?

ML – Os maias chegaram a constituir por volta de 30 calendários, sendo que o calendário que está em destaque no momento é o de contagem longa, que possui um ciclo de 5.125 anos e 132 dias. A maior parte dos cientistas defende que o início do calendário é 3.114 a.C, tendo assim a data zero. Mas, como o pensamento maia era circular e a maior parte de seus calendários também, o ciclo citado aqui também é determinado por essa lógica, demonstrando que nada termina para os maias. Na verdade, o ciclo que se encerra abre um novo ciclo, sendo assim um novo tempo.

Quando e como ocorreram o apogeu e a decadência do povo maia?

ML – Temos vestígios arqueológicos da Civilização Maia que data por volta de 300 a.C, mas o ápice da Civilização foi entre 250 d.C até 900 d.C, as causas do colapso dos Mais ainda é foco de muitas pesquisas, inclusive no ano de 2010 e 2011, coordenei uma expedição cientifica para a rota Maia buscando exatamente essa questão, posso numerar alguns fatores como: crise ambiental, crise agrícola e no sistema produtivo, guerras entre as cidades-estado e principalmente uma profunda crise de fé nas instituições do Estado Maia. É de fundamental importância ressaltar que o povo maia ainda vive em nossa América Latina lutando pela sua cultura e seus direitos sociais e políticos, a resistência desse povo é incrível e admirável.

Quais eram as principais características do povo maia? Por que essa civilização provoca tamanha fascinação ainda hoje?

ML – Acredito que toda essa fascinação é resultado do desenvolvimento cientifico que eles alcançaram que ainda hoje podemos observar em suas construções e nos poucos documentos que sobraram da invasão europeia na América.

Quais foram as principais descobertas e avanços da civilização?

ML – Os maias eram exímios astrônomos. Conseguiram mapear o cosmos e definir o movimento do planeta Vênus, da Terra e da Lua, dentre outros fenômenos físicos. Em relação à escrita, é certo que foi a mais desenvolvida das América para aquele momento histórico, possuindo uma grande complexidade na sua estrutura. A escrita maia começou a ser decodificada a partir de 1960, e hoje a maior parte dela é decifrada, facilitando assim a interpretação de alguns documentos. Quanto à matemática, os Maias já utilizavam o zero no inicio da era cristã, e conheciam e faziam cálculos magníficos agregados à astronomia. Utilizando inclusive esse conhecimento na construção de seus calendários.

Pode-se dizer que a civilização maia era a mais inteligente ou avançada de sua época?

ML – Cada civilização vive o seu tempo e busca soluções para os desafios que são impostos para sua sociedade, mas é possível dizer que a Civilização Maia chegou a um nível estupendo de conhecimento, trazendo até hoje grandes desafios para a ciência e, claro, para a totalidade de sua compreensão.

Tamanho desenvolvimento científico suscita dúvidas e questionamentos. Seria por isso que muitos acreditam que a civilização maia teve contato com povos e inteligências extraterrestres?


ML – Eu não acredito nisso em hipótese alguma. Isso tiraria da Civilização Maia toda a sua capacidade humana de desenvolvimento e produção de cultura. Afinal de contas, por que eles não teriam condições de realizar tantos feitos? Será que isso é em razão de eles terem habitado a América, e não outro continente? Muitas vezes, quando não temos respostas, buscamos explicações em outros campos, o que vejo ser muito subjetivo. 


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