Eles são, em sua maioria, moradores de Planaltina, uma cidade-satélite de Brasília. Todos de baixa renda, carregam ainda uma dificuldade adicional, a deficiência física que os confina a cadeiras de rodas. Há cerca de dois meses, esse grupo de pessoas duplamente excluídas socialmente está vivendo uma experiência inédita: jogar tênis em cadeira de rodas. Criado pela ex-tenista Cláudia Chabalgoity, o Programa de Desenvolvimento do Tênis em Cadeira de Rodas está oferecendo a 30 pessoas a oportunidade de praticar, de graça, um esporte considerado de elite, mas que hoje é o que mais vem ganhando adeptos entre os deficientes de todo o mundo. “Só tinha visto tênis pela televisão. Nem sabia que podia ser jogado em cadeira de rodas. Estou adorando”, afirma Hilda do Socorro Trindade, maranhense de 38 anos, que teve poliomielite na infância e está morando com parentes no Distrito Federal há menos de um ano. Também morador de Planaltina, integrante do grupo comunitário Comissão de Jovens Gente como a Gente, que dá apoio a deficientes, Antônio de Oliveira Rodrigues, 30 anos, é outro que está apaixonado pelo tênis. “Jogo basquete em cadeira de rodas há dez anos, mas acho que vou virar tenista. É ótimo.”

Os alunos têm transporte aos locais das aulas, recebem raquetes e até, quando necessário, cadeiras especiais. Patrocinado pelo Banco do Brasil, o projeto deve ser ampliado em breve. “Esse primeiro grupo foi recrutado em Planaltina, depois de uma apresentação que demos, a convite de uma associação comunitária local”, conta Cláudia. Ela explica que o sistema de atrair alunos vai ser repetido na Ceilândia, em Sobradinho e em outras cidades-satélites de Brasília, buscando chegar a 100 participantes em pouco tempo. Além do trabalho de inserção social, o programa prepara também jogadores em cadeira de rodas para competições nacionais e internacionais. De 10 a 13 deste mês, foi disputado em Brasília o IV Brasil Open de Tênis em Cadeira de Rodas, organizado pela Federação Internacional de Tênis. No torneio, quatro alunos de Cláudia fizeram parte da equipe comandada por Maurício Pommê, o número 1 do esporte no Brasil. Carlos Alberto dos Santos, o Jordan, 33 anos, terceiro do ranking brasileiro, foi um deles. Vítima da poliomielite aos dois anos, ele é um dos astros da seleção brasileira de basquete em cadeira de rodas – sua boa atuação explica o apelido de Jordan. Joga tênis há pouco mais de um ano e há oito meses entrou em uma rotina de treinos diários, visando a competição. “Basquete ainda é minha paixão principal. Mas o tênis está cada vez mais forte. Espero conseguir vaga para as Para-Olimpíadas de Atenas, ano que vem, nas duas modalidades”, torce.

Os parceiros de equipe de Jordan são Érico Moreira Vasconcelos, 35 anos, gestor de políticas públicas no Ministério da Saúde; Marcos Fernandes Alves, 41 anos, instrutor e ex-campeão de hipismo; e Elson Vasco, 38 anos, assessor na Câmara Distrital e piloto de um triciclo adaptado de uma moto. Vasconcelos e Vasco foram vítimas de acidentes de trânsito e Alves acidentou-se em uma queda de cavalo. Todos destacam que o tênis está contribuindo para que voltem a fazer atividades físicas de modo competitivo. “Cheguei a ser jogador de futebol no Gama. Hoje com o tênis me sinto cada vez mais vivo”, afirma o motoqueiro Vasco.

Na busca de candidatos ao projeto do tênis, Cláudia contou com o apoio de Suzane Dalet, especialista em Terceiro Setor. Uma das associações contatadas foi o Gente como a Gente, de Planaltina, que já tinha um trabalho: o basquete com os deficientes. “Quando decidimos que a inclusão social seria a meta principal do trabalho, procurei quem já trabalhava com deficientes desenvolvendo atividades esportivas. O pessoal de Planaltina
é muito bom e nos ajudou muito”, afirma. As aulas – duas vezes por semana para cada
grupo de sete alunos – são dadas em três locais em Brasília: na Academia de Tênis, badalado centro de esporte e lazer da capital federal; na Vila do Tênis, clube privado à beira do lago Paranoá; e na Universidade de Brasília. Os tenistas em cadeira de rodas têm livre acesso às quadras fora dos dias normais de aula. “Estou fazendo a minha parte. Acho que todos os clubes de tênis poderiam fazer o mesmo”, afirma José Farani, proprietário da Academia de Tênis.

Treinar em locais badalados ajuda a inclusão social dos deficientes. “Nosso projeto não se limita às aulas. À medida que forem se aperfeiçoando, nossos alunos podem jogar tênis com as pessoas sem deficiência, como acontece em todo o mundo”, explica Cláudia. Esta facilidade de o “cadeirante” (quem joga de cadeira de rodas) poder fazer dupla ou jogar contra os “andantes” é um dos fatores que contribuem para a popularidade crescente do tênis em cadeira de rodas. “As regras são as mesmas. Há apenas a exceção de aceitar-se dois toques da bola no chão. O fato de o deficiente jogar em condições de igualdade faz um efeito fantástico sobre sua auto-estima”, afirma.

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