Uma recém-criada associação de consumidores de energia elétrica está organizando um movimento que objetiva sacar dos cofres da Eletrobras uma bolada de até R$ 10 bilhões. Quem pagou pelo consumo de energia entre 1964 e 1993 pode ter direito a um quinhão. Se reconhecida em definitivo pela Justiça, a dinheirama tende a levar o colapso às finanças da estatal e criar um problema para os cofres da União semelhante ao das dívidas provocadas pelos planos econômicos no FGTS. Para não ter os cofres sugados pelas decisões judiciais que pipocavam favoravelmente aos trabalhadores, o governo de Fernando Henrique Cardoso precisou assinar um acordo com as centrais sindicais para parcelar o pagamento.

A conta da Eletrobras começa em 1962, quando o então presidente João Goulart criou o empréstimo compulsório para financiar a expansão do setor elétrico. A taxa passou a ser cobrada dois anos depois, inicialmente sobre toda a conta de eletricidade. Em 1976, durante o governo do general Ernesto Geisel, o empréstimo foi reformulado e passou a ser cobrado, apenas, de pessoas físicas e jurídicas que desenvolviam algum tipo de atividade industrial e consumiam acima de 2.000 Kwh – o equivalente, hoje, a uma conta mensal de mais ou menos R$ 400. Ou seja: uma costureira com duas ou três máquinas em operação no quintal de casa, uma padaria, e uma indústria siderúrgica de grande porte pagaram a taxa. Ninguém que tenha produzido algo no território nacional escapou da cobrança, que só foi abortada em definitivo no final de 1993.

Como se tratava de um empréstimo, restou a dívida, reconhecida pela Eletrobras. No balanço de 2002, por exemplo, a estatal que já comandou a totalidade do sistema elétrico brasileiro provisionou pouco mais de
R$ 3,5 bilhões para o pagamento, no longo prazo, das obrigações do compulsório – além de outros R$ 230 milhões separados para o pagamento dos juros de 6% ao ano devidos pelo empréstimo. As duas fases da cobrança são tratadas de forma distinta: a primeira delas, a que vai até 1976, teve os valores emprestados convertidos em bônus resgatáveis em 20 anos. Uma briga jurídica entre detentores desses papéis e a Eletrobras está em curso, já que a estatal considera prescritos os papéis, que recentemente foram protagonistas de uma alegada tentativa de extorsão.

Em janeiro, a empresa conseguiu barrar oito tentativas de saques
de recursos em várias localidades do País. Se concretizado, o golpe resultaria num prejuízo de até R$ 1,4 bilhão. A quadrilha, em parte
presa pela Polícia Federal, funcionava à base de liminares obtidas
em locais remotos (como Rondônia e Tocantis), distantes da sede
da estatal, no Rio de Janeiro, o que impediria uma reação imediata ao golpe. Com o documento judicial na mão, os golpistas tentavam bloquear recursos da empresa depositados no Banco do Brasil. As liminares eram sempre baseadas nos títulos ao portador distribuídos pela estatal aos credores da primeira fase da cobrança do empréstimo compulsório. Nenhum saque chegou a ser concretizado. Em comunicado publicado
à época nos jornais, a Eletrobras disse estar sendo “vítima de golpes perpetrados por pessoas inescrupulosas, as quais têm proposto ações judiciais em locais distantes de sua sede, com a finalidade espúria
de obter liminares para sacar, de imediato, quantias milionárias das contas bancárias desta companhia.”

Já a dívida da segunda fase da cobrança teve um tratamento diferenciado. Os créditos foram convertidos, ao longo dos anos, em ações da Eletrobras. O restante virou uma unidade própria de valor, reconhecida pela estatal, chamada UP. É nesse ponto que entra a principal reclamação da recém-nascida Associação Brasileira dos Consumidores de Energia Elétrica e dos Contribuintes do Empréstimo Compulsório da Eletrobras (Abracompeel). Cálculos atualizados pelos técnicos da entidade estipulam uma enorme defasagem no valor atual da UP, fixada em dezembro em R$ 10,35. “Esse valor deveria ser, pelo menos, dez vezes maior por conta do período inflacionário que vivemos”, diz o presidente da associação, Antonio Nobrega, que está cadastrando consumidores de energia para aumentar seu poder de pressão. O cálculo é baseado, inclusive, em decisões judiciais em causas vencidas por grandes empresas que já tiveram seus créditos corrigidos de acordo com os índices inflacionários reais. Como é considerado um tributo, para fins legais, o crédito do empréstimo compulsório pode ser utilizado para abater dívidas fiscais com a União.

“Alguns dos grandes consumidores já receberam, mas a grande massa não tem nem acesso ao registro dos próprios créditos”, diz Nobrega. Ele cita o caso de uma padaria do Distrito Federal que, pelas contas da Eletrobras, teria a receber pouco mais de R$ 6 mil pela cobrança iniciada em 1982 (além de outros R$ 6 mil pelas conversões em ações). Devidamente atualizado, o valor real pode chegar a R$ 120 mil, de acordo com as contas da Abracompeel. A diferença teria sido consumida ao longo dos anos pela inflação e engolida na contabilidade da Eletrobras. A existência em massa de casos como esse faz a associação aguardar pelo menos um milhão de filiados. Mesmo quem não sabe se tem créditos a receber pode se filiar. A associação garante que faz a pesquisa em nome do consumidor, que pagará por isso e pelos serviços da instituição uma taxa equivalente a 1,5% do valor a receber da Eletrobras. O site da entidade é o

www.abracompeel.com.br

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