Absolvido pela CPI do Banespa e disposto a apoiar o PT, Orestes Quércia volta a disputar eleição e diz que vai transformar o PMDB

Acompanhando de perto cada movimento de seu partido, o PMDB, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia está de volta. É candidato a uma vaga no Senado e antecipa que, se eleito, sua missão será resgatar o PMDB do processo de “arenização” em que foi jogado nos últimos oito anos de governo FHC. Em meio a uma semana de reuniões com líderes do PT e com prefeitos do interior que temem por uma aliança com Lula e pressionam para uma coligação com o PSDB do governador Geraldo Alckmin, o presidente do PMDB de São Paulo recebeu ISTOÉ em seu escritório para fazer o que mais gosta: falar de política. Bem mais animado do que na eleição de 1994, quando se candidatou ao Planalto, Quércia não poupa críticas ao governo federal e ao Banco Central por terem colocado em sua conta a quebra do Banespa. Respaldado pelo relatório da CPI que comprovou a adulteração do balanço de 1994 – o que levou o banco à intervenção e, em seguida, à privatização –, ele ressalta: “Nesses dez anos, passamos vendo na imprensa que o Quércia quebrou o Banespa e hoje temos uma demonstração cabal, com votos do PSDB e do PT, que eles votaram pela incriminação dos dirigentes do BC e o reconhecimento da pressão política que sofri.” Os olhos brilham quando fala dos tempos em que lutou contra a ditadura militar. O desaparecimento de 42 pessoas, entre elas o deputado Rubens Paiva, fez o então senador requerer uma CPI para investigar o desrespeito aos direitos humanos. “Fui o único parlamentar a acompanhar o enterro do Herzog (o jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do II Exército em São Paulo). Quanto à possibilidade de marchar ao lado de Lula e do PT nas eleições, Quércia se mostra otimista, mas adverte que o acordo, se ocorrer, será na informalidade, e a aliança ainda não está selada. O ex-governador criticou duramente a atuação do presidente do TSE, ministro Nelson Jobim. Ele ajudou a ala governista do PMDB a derrubar a liminar que suspendia a convenção nacional do partido – que selou o apoio ao candidato tucano José Serra. “Isso mostra uma coisa gravíssima com relação a decisões judiciais a respeito das eleições.” Aos 64 anos, que serão comemorados no dia 18 de agosto, Quércia volta ao cenário político como principal articulador dos dissidentes, como os senadores Pedro Simon (RS), Roberto Requião (PR) e tantos outros que representam a ala gauche do partido. Sobre Lula, afirmou que o País está preparado para um governo de oposição, e se emocionou ao ler uma recente entrevista do petista em que ele credita a Quércia os esforços para que o PMDB encampasse a CPI que investigou PC Farias. “Não imaginava que ele lembrasse disso. Eu era presidente do PMDB e o partido resistia muito à investigação.”

ISTOÉ – O relatório final da CPI do Banespa pede o indiciamento de ex-dirigentes do Banco Central por terem participado de manipulação contábil do balanço de 1994, na tentativa de responsabilizar em massa ex-administradores do banco e atingir ex-governadores. Isso exorciza o estigma da frase atribuída ao sr.: “Quebrei o banco, mas elegi meu sucessor”?
Quércia

O Banespa estava numa situação privilegiadíssima e eles fizeram um jogo para acabar com o banco e conseguiram. Na última hora me incriminaram. Me puseram no processo, arresto de bens e tudo mais. Hoje, oito anos depois, uma CPI analisa tudo e comprova exatamente o que aconteceu: uma montagem arrogante feita pela direção do Banco Central (BC). Duvido que tenham determinado a intervenção e a minha incriminação sem autorização do governo. Aliás, eu estou sendo processado pelo Gustavo Loyola (ex-presidente do BC, indiciado pela CPI) porque em uma entrevista a ISTOÉ disse que ele era um criminoso. Hoje, quem diz que ele é criminoso são os deputados do PSDB porque o parecer que o incriminou foi aprovado por unanimidade e vai seguir para o Ministério Público. Pedi inúmeras vezes que a CPI me ouvisse, e isso não aconteceu.

ISTOÉ – A que o sr. atribuiu a sua não-convocação?
Quércia

 O que sei é que o PSDB atuou para que eu não fosse
depor. Achava que iria me beneficiar politicamente do que estava acontecendo por lá. É um absurdo. Fui acusado de ter quebrado o banco e a CPI não me chamou. Fiz uma carta protestando contra o não- requerimento da minha convocação. Sei que eles enrolaram e não deixaram me convocar. Fiz um ofício e pedi para juntá-lo ao parecer. Eles fizeram tudo dentro desse processo: a intervenção, o inquérito. O banco tinha saldo positivo, mas a ordem era avermelhar o balanço. O BC contrariou a lei e a Justiça ao inscrever a dívida do Estado em crédito de difícil liquidação. Eles fizeram a safadeza deles. O maior devedor da Nossa Caixa/Nosso Banco era o Estado, e não aconteceu nada com a instituição. Enquanto isso, o Banespa era crédito de difícil liquidação, o fim do mundo. Criaram um artifício de perseguição política, um artifício criminoso. O que eles fizeram é resultado da arrogância das pessoas que imaginam que são donas do País. Manipularam o processo no BC, manipularam a intervenção. São criminosos.

ISTOÉ – Na sua opinião, a articulação era para que o sr. pagasse a conta política da quebra do Banespa?
Quércia

Isso foi o que eles fizeram. Puseram tudo em cima de mim. E agora que o relatório me inocenta não tem repercussão na imprensa (risos). A calúnia e a difamação são como soltar de cima de uma torre um saco de paina. Eles soltaram: “Quércia quebrou o banco”, aquilo espalha e se vai. A frase permanece. É a força do governo na imprensa. Pretendo contratar um advogado para ajudar o MP contra esses diretores do BC. Para acompanhar esse processo porque eles são uns criminosos, arrogantes. Usaram a máquina do Estado para me perseguir politicamente e destruir um instrumento fundamental para São Paulo, o Banco do Estado. Tudo para atingir objetivos inconfessáveis. Isso não pode ficar em branco. A responsabilidade não é só dele, Gustavo Loyola (presidente do BC), mas do governo como um todo. Evidentemente, vou noticiar isso, mostrar nos programas de tevê que temos. Vou usar essa informação para tentar reverter aquela história do marqueteiro do Hitler (Goebbels) de que uma mentira dita tantas vezes vira verdade. Hoje está provado que, além de eu não ter quebrado o Banespa, quem prejudicou o banco foi o BC. Tentaram me atingir. Me atingiram. Sofri um prejuízo político muito grande nestes últimos anos.

ISTOÉ – A que se deve sua volta às eleições?
Quércia

Basicamente ao fato de o governo ter o domínio do PMDB. Aqui em São Paulo percebi isso quando vi as movimentações do Michel Temer (presidente nacional do partido). Eles queriam tomar conta do PMDB e aí eu reagi e impedi que fizessem isso. Me candidatei a presidente do partido em São Paulo para fortalecer nossa posição e impedir a tomada de poder. Com essa volta como presidente regional do PMDB, acabei retornando à política. Hoje, as pesquisas mostram até uma boa situação para sair candidato a governador. Mas já tinha dito que, se prevalecesse esse apoio do PMDB ao candidato do governo, não teria condições de ser candidato a governador. Então, a solução foi sair para o Senado, que é uma eleição majoritária e acho que ajudo bastante, puxando votos, se Deus quiser…

ISTOÉ – Quais as chances de o PMDB em São Paulo acompanhar a decisão nacional de fechar uma aliança com o candidato do PSDB?
Quércia

Acho muito difícil. Diria o seguinte: isso não vai acontecer

ISTOÉ – O PMDB de São Paulo vai informalmente como o PT?
Quércia

Claro que tenho questões para resolver com o PT. Pode ser que, em último caso, eu não resolva… Mas acho que resolvo porque está muito bem encaminhada a situação com o Lula e o José Dirceu (presidente do PT) em nível nacional. Mas é uma aliança; informal, aqui no Estado ela é verbal. Tem que estar bem esclarecida a situação com o candidato do PT em São Paulo, José Genoíno, e com o candidato a senador deles, Aloizio Mercadante. Quando se esclarecer bem como ser dará isso, é possível que a gente faça campanha juntos.

ISTOÉ – Como estão as negociações?
Quércia

Acho que é bem possível que cheguemos a bom termo, mas não está resolvido ainda porque é preciso ficar muito claro como vai ser a campanha aqui em São Paulo.

ISTOÉ – Não seria um contra-senso o PMDB de Quércia fechar uma aliança com o PT?
Quércia

O pessoal do PT acompanhou de perto essa CPI do Banespa. Na verdade, se eles imaginassem que eu não fosse ético ou tivesse alguma culpa não estariam compondo com a gente. É o reconhecimento de que não devo nada. As acusações da Vasp (de favorecimento a Wagner Canhedo na privatização da empresa) ficaram comprovadamente resolvidas; os negócios de Israel (importação de equipamentos científicos comprados para universidades estaduais e para a polícia), também. Esse, então, mostrou que as universidades foram prejudicadas e agora o fim do caso Banespa. Hoje, temos tranquilidade para mostrar a perseguição política que sofri com este caso.

ISTOÉ – A necessidade de um puxador de votos para deputado federal, que alavanque o PMDB, não vai ser um empecilho para um acordo com o PT?
Quércia

Isso não tem problema. A questão de coligação com outros partidos para a chapa de deputados não é muito vantajosa. Uma aliança com o PSDB seria também com o PFL e eles têm dúvidas se é melhor ficar do jeito que está ou compor com essa chapa de federal. Na estadual, não tenho dúvidas: ficar sem composição é melhor. Na verdade, temos um candidato a governador (Airton Sandoval) para fazer composição ou não, mas pretendemos ter um candidato para poder usar o tempo de tevê e não cedê-lo. São quase sete minutos.

ISTOÉ – Como o sr. encarou as críticas da filha do ex-governador Mário Covas, que é contra uma aliança do PSDB com o sr.?
Quércia

Isso é uma opinião isolada dela. Não é uma opinião do governador Geraldo Alckmin, por exemplo. Todos eles gostariam que fizéssemos acordo. Na verdade, o Covas participou do meu governo. Tinha duas secretarias. Depois que saiu do PMDB para criar o PSDB deixou diversas pessoas no meu governo. Não existia no aspecto ético restrição contra a mim. O que aconteceu com o Covas é que fui agressivo num adjetivo que coloquei na campanha da minha sucessão para ele e isso o magoou muito. Foi até uma coisa agressiva da minha parte. Depois disso, passou a ter restrições a mim.

ISTOÉ – Como o sr. avalia a situação econômica às vésperas das eleições?
Quércia

A gente não vira uma Argentina. Quem tem batido nessa tecla é o governo para poder tirar benefício político e isso é um equívoco. Botam isso na musiquinha do Serra… Eles estão fazendo um jogo bobo, querendo dizer que o PT tem outras idéias e fazer com que haja esse temor de argentinização do Brasil. No mundo político, a alternância do poder é fundamental para o processo democrático. É bom para o País. Se for eleito uma oposição será muito melhor para fortalecer o processo econômico, o processo de independência. Se eles, do Fundo Monetário Internacional, fossem sábios, tudo bem. Mas não são. O Brasil precisa de um espaço aberto para poder crescer. Precisamos de recursos para fazer metrô, obras de saneamento, investir na saúde e na educação. Não dá para ficar pagando apenas serviço da dívida, caso contrário não sairemos disso nunca.

ISTOÉ – O sr. crê que o País está preparado para ter o PT no Planalto?
Quércia

Não tenho dúvidas e não vai acontecer nada de errado. Ao contrário, acho que pode ser bom para o País. Não que eu seja um admirador imenso do pessoal do PT, tenho história de briga com eles. No processo político, repito, é fundamental a alternância do poder. Já chega desse pessoal do FMI vir aqui mandar, dos técnicos fazerem do inglês a primeira língua no País. Precisa mudar isso e não o português. Chega desse pessoal, já são oito anos.

ISTOÉ – O sr. chegou a conversar com José Serra?
Quércia

Me dou bem com o Serra. Mas minha oposição à política do governo é um processo em si. É igual ao sistema militar. Naquela época tinha os generais de plantão. Agora, eles põem as pessoas de plantão no BC, no Ministério. Esse Loyola (Gustavo) era do sistema, por isso teve forças para me incriminar e fazer essa safadeza com o Banespa. O sistema pode tudo. Antes era o militar, agora é o econômico. Tem que acabar com isso. Me acusaram de quebrar o banco, mas na hora de analisar o que aconteceu ficaram com medo de eu ir lá falar.

ISTOÉ – O PMDB sai rachado dessa decisão de apoiar José Serra. Isso não prejudica o crescimento do partido?
Quércia

Com certeza. O partido vem crescendo no Nordeste, mas vem perdendo espaço nas capitais. O PMDB é comandado hoje por um pessoal que não tem nada a ver com o PMDB. Michel Temer, o Geddel (Vieira Lima, líder do partido na Câmara). Aquele pessoal do Nordeste é todo da Arena e hoje manda no partido. Renan (Calheiros, senador por Alagoas) era há pouco tempo líder do Collor. Naquela época, o Michel não conseguia se eleger deputado (risos). Agora é que está conseguindo algo. Aqueles que hoje manobram o partido não têm nada a ver com a história do partido. Eles fazem qualquer coisa. Com a força do governo, ganham convenções. Sou candidato a senador e espero ajudar, com a minha eleição, a reestruturar o PMDB nacional. Vamos resgatar o partido.
 

ISTOÉ – Como o sr. pretende fazer isso?
Quércia

Vamos levar o PMDB para seu grande objetivo e participar do processo de crescimento, de desenvolvimento do País. Sem ficar a reboque do governo, qualquer que seja o presidente. Tem gente que chama o PMDB de um grande Arenão e infelizmente essa é uma imagem que pode até ser feita porque as pessoas hoje não têm objetivo político nacional que esteja de acordo com a origem e a história do partido. Acredito que aqui em São Paulo, o PMDB tem esse sentido histórico e a base do partido, no País inteiro, pensa assim. Acho muito viável fazer uma reformulação do partido.

ISTOÉ – O sr. então está de volta?
Quércia

É. Estamos aí…