Praticamente ignorado no Brasil durante os 24 anos em que foi ocupado pela Indonésia, o Timor Leste, a mais nova democracia do mundo, vai paulatinamente se tornando conhecido dos brasileiros. Uma das principais responsáveis pelo crescente interesse tupiniquim por aquele pequeno e longínquo país de língua portuguesa é a jornalista Rosely Forganes, colaboradora de ISTOÉ radicada em Paris há mais de 20 anos e autora de várias reportagens de regiões conflagradas, como Mianmar (ex-Birmânia), Camboja, Tibete, China e Índia. Desde setembro de 1999, quando as milícias pró-Indonésia transformaram o Timor Leste em terra arrasada depois que sua população optou majoritariamente pela independência, Rosely vem cobrindo o drama daquele povo e as dificuldades da reconstrução em reportagens radiofônicas para a rádio Eldorado (SP) e, no ano passado, ganhou o Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos pelo documentário Vozes do Timor. O resumo dessa experiência está no livro de Rosely, Queimado queimado, mas agora nosso! Timor: das cinzas à liberdade, da Labortexto Editorial, que também contém o CD Vozes do Timor. Apesar do tema árido, Rosely traça um rico painel da ex-colônia portuguesa, narrando com emoção e até com pitadas de humor histórias ora dramáticas, ora comoventes, revelando um povo peculiar e muito persistente. O livro será lançado em São Paulo na quarta-feira 26, no Espaço Unibanco de Cinema,
juntamente com o filme de Lucélia Santos Timor Lorosae – o massacre que o mundo não viu. Lucélia, atriz que estreou como diretora num filme pungente, e conheceu Rosely em Díli, capital do Timor, também faz o prefácio do livro da jornalista.

ISTOÉ – Nestes tempos de globalização, como é possível
pensar que um país tão pobre e isolado como o Timor Leste
possa sobreviver?
Rosely Forganes –
É justamente por causa da globalização que o Timor pode sobreviver. A liderança não discute se a globalização é boa ou não; eles partem do princípio de que ela é um processo que está aí e procuram tirar proveito disso. Eles apostam na alimentação biológica (elaborada sem tratamento e sem a presença de produtos químicos) e no ecoturismo. Isso não quer dizer que os timorenses recusem alianças regionais. Como diz Xanana Gusmão, “nós escolhemos nossos amigos, não nossos vizinhos”. O Timor Leste foi ocupado pela Indonésia, mas foram os timorenses que buscaram a reconciliação. O país também busca fortalecer laços com a Austrália e quer se associar à Associação das Nações do Sudeste da Ásia (Asean). E a pacificação do Timor está fazendo do país um exemplo para outras nações em conflito.

ISTOÉ – O Timor Leste não repetiu a nefasta experiência de outras ex-colônias que conquistaram a independência, mas se tornaram ditaduras. Isso se deve à nova conjuntura internacional pós-guerra fria ou à liderança timorense?
Rosely –
Creio que se deve principalmente à liderança timorense. Nos últimos anos, o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) já funcionava como um organismo democrático, em que todas as forças estavam representadas. Isso devido à personalidade de Xanana Gusmão, um líder profundamente democrático, que não hesitou em transformar a Falintil, que era o braço armado de um partido, a Fretilin, em uma guerrilha nacionalista de todo o povo.

ISTOÉ – O jornalista Tim Lopes foi morto por traficantes ao fazer reportagens no morro com câmeras ocultas. Como você encara o fato de às vezes o repórter ser obrigado a ocultar sua identidade para poder realizar seu trabalho?
Rosely –
Inúmeras vezes eu tive que trabalhar sem me identificar como jornalista, senão não entrava no país. Entrei oito vezes na Birmânia como dona-de-casa e estive na China e no Tibete como “turista”. Eu não reconheço legitimidade a ditadura nenhuma; acho que nenhum jornalista tem que pedir licença para exercer a profissão. Como militante da organização Repórteres Sem Fronteiras, acho que a morte do Tim foi o episódio mais grave para a liberdade de imprensa no Brasil desde o assassinato do Vladimir Herzog, em 1975. Há três anos, quando vim prestar depoimento sobre um escândalo municipal em São Paulo, me vi na contingência de aceitar proteção da polícia e colete à prova de balas. Na época, recusei. Tinha certeza que um atentado a um jornalista no eixo Rio–São Paulo não ficaria impune. Hoje, já não estou bem certa.


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