Nelson Rodrigues (1910-1980) é um dos maiores dramaturgos da língua portuguesa, e isso é sabido pelo menos desde a estreia da peça “Vestido de Noiva”, em 1943. Ele foi também um grande cronista, à altura de Rubem Braga e de Carlos Drummond de Andrade, mas essa descoberta é mais recente. Dono de um estilo límpido e elegante e sobretudo mordaz, na época em que escrevia para jornais emocionando torcidas de futebol e irritando as alas progressistas ao vilipendiar o feminismo, a esquerda e outros modismos, esse autor pernambucano era tachado de “reacionário”.

Foi preciso que seus livros de crônicas, conhecidos como “Confissões”, viessem a ser reeditados para que também nessa área a escrita de Nelson Rodrigues acabasse reconhecida. Agora, um pesquisador de literatura vai além e defende que a produção jornalística do dramaturgo, produzida nos anos 1960 e 1970, pertence a um patamar superior o do ensaio. No livro “Inteligência com Dor Nelson Rodrigues Ensaísta” (Arquipélago), o professor de literatura da UFRGS Luís Alberto Fischer não se mostra tímido: compara o escritor brasileiro ao pensador francês Michel de Montaigne (1533-1592), pai dessa forma de texto marcada pela reflexão de temas diversos. E também pelo humor.

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A afirmação é polêmica, mas pouco importa. Ao defender a sua tese, Fischer põe em relevo aspectos bem mais interessantes, como, por exemplo, o uso que Nelson fazia da linguagem coloquial e, especialmente, do humor como forma de seduzir o leitor. É o próprio Fischer quem afirma, no capítulo justamente dedicado a essa faceta do escritor, citando o gaúcho Aníbal Damasceno Ferreira: “Nelson é, acima de tudo, um humorista.” Frasista brilhante, ele lançava mão das mais prosaicas comparações para enfatizar afirmações que poderiam passar sem o devido impacto e isso torna a leitura de “Inteligência com Dor” um divertido virar de páginas.

Nelson criou as suas provocativas “entrevistas imaginárias” para bater forte naqueles de quem discordava ideologicamente. Em uma delas, ele “entrevista” o arcebispo dom Hélder Câmara (1909-1999), que era francamente adepto de teorias socialistas e ferrenho opositor da ditadura militar. Essa é uma das falas que Nelson colocou na boca desse seu desafeto: “Pelo amor de Deus, não me falem da vida eterna, que é mais antiga, mais obsoleta que o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt”. Contra a classe teatral, embora dramaturgo, Nelson escreveu: “No meio de meus colegas, eu me sinto tão só, e tão só como um Robinson Crusoé sem radinho de pilha.” Fischer afirma que ele escrevia com um humor cáustico, mas que nem por isso deixava de ser humor: “E o fazia em brasileiro.”

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