Um dos 50 melhores espiões da história dos EUA, o agente vivido por Ben Affleck no filme "Argo" diz que eles não são assassinos loucos ou viajantes cínicos e solitários como retratam os filmes

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CARREIRA
Especializado em falsificar documentos, Mendez
também era considerado um mestre dos disfarces

O americano Tony Mendez sempre quis ser artista e se dedicava à pintura quando respondeu a um anúncio de trabalho que não revelava o empregador. Na entrevista, descobriu que se tratava da CIA, agência de inteligência do governo dos Estados Unidos. Seu trabalho era falsificar documentos para os espiões. Como era necessário conhecer bem os países que emitiam a documentação a ser forjada, ele passou também a ir a campo. Em pouco tempo, começou a usar suas habilidades artísticas para criar disfarces e chegou a transformar um asiático e um negro em caucasianos para entrarem na União Soviética durante a Guerra Fria. Considerado um dos 50 melhores agentes da história da CIA, Mendez, 71 anos, agora se dedica à pintura na zona rural de Maryland, onde vive com a mulher. Sua vida, porém, não é nada pacata. Parte da agitação deve-se à fama alcançada com o lançamento do filme “Argo”, dirigido e protagonizado por Ben Affleck. “Argo” narra a história de uma das operações mais arriscadas que ele já conduziu: o resgate secreto de seis americanos durante a ascensão dos aiatolás no Irã fingindo ser um produtor de cinema canadense que ia estudar locações em Teerã. Para dar credibilidade a esse enredo, ele abriu um estúdio em Hollywood, obteve um roteiro real e conseguiu divulgação em revistas especializadas.  

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"Não é necessário ir para o campo de batalha para ganhar
a guerra. A Guerra Fria foi nas sombras e nós ganhamos"

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“Julian Assange não presta nenhum serviço ao
mundo. Ele não pode se colocar na posição
de julgar o que deve ou não ser sigiloso"

ISTOÉ

Como o sr. avalia o filme “Argo”?  

Tony Mendez

Meu livro sobre esse resgate foi publicado apenas um mês antes do lançamento do filme e uma leitura cuidadosa revela que Hollywood tomou certas liberdades, adicionou alguns elementos para dar mais emoção às cenas internas. Apesar disso, eu fiquei feliz com a forma que o roteiro se desenvolveu. O detalhamento conseguido por Affleck é impressionante. Tudo, das roupas aos carros, está correto. Foram necessários cinco anos para fazer o filme e isso me parecia muito tempo para esperar, mas ao final, valeu a pena. É marcante, melhor do que eu esperava. 

ISTOÉ

É comum nas operações secretas se valer da ajuda de pessoas de fora da CIA, como ocorreu nesse caso?  

Tony Mendez

Sim, nossas melhores operações foram feitas com pessoas que não eram da CIA. É necessário olhar para fora da agência para conseguir preencher os requisitos que farão a missão dar certo. Muitas pessoas de fora ajudaram a fazer a Operação Argo acontecer.
 

ISTOÉ

Quando o sr. apresentou a ideia de fingir ser uma equipe de pré-produção para um filme de Hollywood, ela foi bem-aceita na CIA e na Casa Branca? 

Tony Mendez

A ideia encontrou muita resistência, eu diria que metade das pessoas era contrária. Mas, como é dito no filme, aquela era a “a melhor ideia ruim” que tivemos. 

ISTOÉ

Esse tipo de plano audacioso era parte da rotina da agência? 

Tony Mendez

Acredite em mim, esse tipo de plano não é parte dos procedimentos normais das operações da CIA. Esse foi um plano que nasceu do desespero, não havia soluções “normais” que poderiam funcionar naquela situação. Aquelas seis pessoas não eram oficiais da inteligência e estavam encurraladas em uma cidade enorme localizada no meio de um grande deserto. Não havia solução fácil e típica disponível. 

ISTOÉ

O sr. estava confiante de que o plano funcionaria? 

Tony Mendez

Um pouco de confiança é necessário para garantir o apoio de outras pessoas, é com ela que se convence diplomatas a concordarem com você. Isso não significa, porém, que não existiram momentos de dúvidas. Eu estava constantemente reavaliando os detalhes do plano, tentando garantir que todas as opções fossem devidamente analisadas. Nunca estive totalmente confiante. 

ISTOÉ

O sr. já participou de alguma operação que não funcionou? 

Tony Mendez

Se eu lhe dissesse que todas as operações conduzidas por mim foram um sucesso, você não acreditaria. Então não vou lhe dizer isso, vou seguir o código dos espiões: “Nunca comemore seus sucessos nem explique suas falhas.” 

ISTOÉ

Quais foram os momentos mais difíceis do trabalho na CIA? 

Tony Mendez

A Guerra Fria ensinou muita coisa sobre o trabalho de inteligência. A mais importante delas, acredito, é que não é necessário ir para o campo de batalha para ganhar uma guerra. A Guerra Fria foi conduzida nas sombras e nós ganhamos. Aprendemos grandes lições nesse período. 

ISTOÉ

Como o avanço da internet e das novas tecnologias mudou a espionagem? 

Tony Mendez

O trabalho de inteligência precisa estar à frente da curva de tecnologia, o que é difícil de fazer porque tudo está mudando muito rapidamente. Enquanto todas essas novidades são desenvolvidas, temos que aprender três coisas: como usá-las, como adaptá-las e como derrotá-las.  

ISTOÉ

Julian Assange, que revela documentos secretos no site Wikileaks, pode ser considerado um dos espiões mais famosos do mundo e ele se vale apenas dessas tecnologias. O que o sr. pensa do trabalho dele?

Tony Mendez

Ele não presta nenhum serviço para o mundo, para suas convicções ou para o seu país abrindo arquivos diplomáticos. Quando comunicações seguras são violadas e escancaradas, a clareza é jogada pela janela. As pessoas deixam de dizer o que diriam, especialmente se isso contradiz a postura pública de um governo. Ninguém se beneficia. Ele não pode se colocar na posição de julgar o que deve ou não ser sigiloso, o que é importante e o que é perigoso para as pessoas. Assange não merece nenhuma simpatia. 

ISTOÉ

Como foi entrar para a CIA aos 25 anos?  

Tony Mendez

Eu nem sabia o que era a CIA e o que ela fazia direito. Apenas me pareceu um bom trabalho. Nunca tinha pensado em ser um espião, eu era apenas um artista. Mas com o tempo descobri que, combinadas, as duas habilidades – artísticas e de espionagem – poderiam resultar em uma carreira muito interessante. 

ISTOÉ

Sua família se adaptou bem à sua rotina de trabalho?  

Tony Mendez

Logo no começo da carreira, eu fui para a Ásia com minha esposa e meus três filhos pequenos e nossa via mudou enormemente. Meus filhos foram para escolas internacionais e estudaram com crianças das mais diferentes culturas. Eu viajava muito e minha esposa precisou aprender a ser independente e a tomar decisões difíceis sozinha. Nossas vidas mudaram, mas na maioria das vezes eram mudanças positivas.
 

ISTOÉ

Seus amigos e vizinhos sabiam que o sr. era um agente da CIA? 

Tony Mendez

Não. Durante minha carreira, tive várias histórias para acobertar minha profissão. Dependendo de onde eu estava e o que estava fazendo, minha história de fachada mudava. Em Argo, era produtor de um filme. Mas já fui turista, empresário, diplomata, artista. Eu podia ser qualquer coisa que teria documentos para provar. As únicas pessoas que sabiam a verdade eram outros agentes da CIA e funcionários do governo. Eu não conseguiria fazer o meu trabalho se meu empregador fosse conhecido. 

ISTOÉ

O sr. ganhou vários prêmios da CIA e foi considerado um dos 50 melhores agentes de todos os tempos. O que o tornou tão especial? 

Tony Mendez

Tive sorte o suficiente para ganhar muitos prêmios enquanto trabalhava na CIA. Um deles, o Intelligence Star, foi especificamente pela Operação Argo – o texto que veio com a medalha citava “coragem” em algum lugar. Os outros prêmios foram mais gerais, pela carreira como um todo. Eu tinha a reputação de resolver problemas. Se você precisasse de ajuda na sua operação, talvez devesse recorrer a mim para que eu pensasse em uma solução diferente. Mas ninguém sabe exatamente por que ganha prêmios, só sei que tenho orgulho por cada um deles. 

ISTOÉ

Como o sr. se tornou um mestre dos disfarces? 

Tony Mendez

A maior parte das minhas habilidades com disfarces foi aprendida de forma autodidata. Eu descobria maneiras de produzir disfarces na medida em que eles eram necessários. Minhas conexões em Hollywood, claro, ajudaram em termos de materiais e técnicas. Mas a maioria das transformações mais difíceis continua classificada como confidencial pela CIA, assim como as melhores histórias.  

ISTOÉ

O que faz com que uma operação seja considerada sigilosa e, anos depois, revelada, como aconteceu com Argo? 

Tony Mendez

Tem de ficar claro que divulgar informações resultaria em perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos, seus cidadãos ou seus funcionários de governo para mantê-las em sigilo. Aqueles que colaboraram em Argo não estariam seguros se a história fosse revelada. Quando pode ser revelada, é porque houve uma determinação oficial de que não há mais risco para nenhuma dos envolvidos. 

ISTOÉ

Como é a sua vida de aposentado na área rural de Maryland?  

Tony Mendez

Minha vida hoje é um turbilhão, um tsunami de pedidos de entrevista, compromissos com palestras e coisas do tipo. Essa rotina faz a vida como espião parecer fácil. Digo aos meus amigos para terem cuidado ao se aposentar porque a vida pode não se tornar um “grande cochilo” como eles imaginam.
 

ISTOÉ

O sr. sofreu censura em algum dos três livros sobre o trabalho como agente da CIA que escreveu? 

Tony Mendez

Todos os livros passaram pelo crivo do CIA Publication Review Board (Comitê de Revisão de Publicações da CIA). Não posso e não vou publicar nada sem a aprovação desse comitê. Quando eles olham para um manuscrito e veem alguma coisa que deveria ser removida, normalmente faço isso sem problemas. Tenho uma boa relação de trabalho com a CIA hoje e realmente não quero publicar nada que possa lhes causar problemas. Há sempre outras maneiras de dizer o que se quer dizer. 

ISTOÉ

Em muitos filmes, a CIA é retratada como uma instituição para esconder verdades inconvenientes e os agentes como vilões. O que o sr. acha disso? 

Tony Mendez

Fiquei feliz em fazer parte de uma história real que ajuda a desmistificar essa “demonização” da CIA. A maioria dos filmes coloca os agentes como assassinos loucos ou viajantes cínicos e solitários. De forma nenhuma isso é verdade. Eu e meus colegas somos um grupo de funcionários do governo com muita motivação para fazer o que é certo para o país. A missão é tentar conseguir as melhores informações possíveis para que as decisões mais adequadas sejam tomadas. Quem toma essas decisões precisa saber os planos e as intenções dos nossos inimigos e nós tentamos descobrir isso. A carreira de espião é demais.