Espirros. Uma sucessão de espirros. Coriza, coceira nos olhos, no nariz e no céu da boca, dor de cabeça e nariz entupido. Para muita gente, são sinais claros de uma gripe forte. Mas não é assim tão simples. Se esse cenário for corriqueiro, antes de recorrer a antigripais e analgésicos para aliviar esses sintomas, é melhor procurar um especialista em alergias. Você pode estar entre os 30 milhões de homens e mulheres que têm rinite, de acordo com os cálculos da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia (SBAI). São pessoas que sofrem reações como as descritas acima apenas com uma mudança na temperatura ou mesmo após um afago no bichinho de estimação. Aos que padecem desse mal, essas ocorrências podem significar noites sem dormir, faltas ao trabalho e à escola, irritabilidade excessiva e muito mal-estar. Passar a noite em claro era a rotina da gerente de logística Andréa Landim, mãe de Manuela Landim, uma carioca de seis anos. A menina sofria com os incômodos causados pela combinação de rinite e asma. Fez uma terapia que incluiu remédios e higienização ambiental. Está aliviada, mas continua em tratamento. “As crises ficaram mais escassas, para o bem de toda a família”, afirma Andréa.

A rinite é uma inflamação da mucosa do nariz causada pelo contato com alérgenos como poeira, ácaro, pêlos de animais, fungos ou substâncias irritativas. O processo acontece porque, ao tentar eliminar o invasor, o organismo reage produzindo uma quantidade exagerada do anticorpo conhecido como IgE. Essa produção sem controle provoca manifestações em regiões como nariz, pulmões, olhos e até na pele. “Uma vez sensibilizada, a pessoa alérgica se torna hiper-reativa. Ou seja, vai ter reações sempre que ficar em contato com qualquer outro estímulo irritante, como cheiros fortes”, diz a alergologista Claudia Tebyriça, professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-RJ.

Confusão

Normalmente, as pessoas costumam associar a rinite ao tempo frio. A verdade, porém, é que ela se manifesta também na estação quente. Se no inverno o confinamento é um gatilho para crises, no verão o clima seco facilita a propagação pelo ar dos agentes irritantes. O aumento da poluição também pesa. Cálculos da SBAI indicam que o número de casos cresceu mais de 20% nos últimos dez anos. Ainda não se sabe ao certo o motivo disso. O que está claro para os especialistas, entretanto, é que a falta de tratamento adequado tem piorado o quadro. Muita gente ainda confunde os sintomas com os de uma gripe – a diferença é que nesse caso a coceira inexiste. Outro complicador é que as pessoas, sem identificar a real causa do mal-estar, recorrem à automedicação para aliviar os sintomas, só buscando ajuda médica quando estão no auge do problema. “Isso contribui para cronificar a doença. É importante tratar os sinais, mas é fundamental descobrir o que provoca as crises”, explica Nelson Rosário, presidente da SBAI.

Para combater a rinite, os médicos recomendam medicamentos de três categorias: anti-histamínicos, corticóides e vacinas. Eles melhoram a imunidade e ajudam a reduzir a reatividade e a sensibilidade exagerada do organismo a um alérgeno. Há uma boa notícia nessa área. O Ministério da Saúde aprovou uma portaria que prevê a distribuição gratuita de drogas para tratar a rinite e a asma. A partir de abril, os municípios fornecerão os medicamentos.

Os especialistas também orientam a utilização diária de soro fisiológico para limpar e hidratar o nariz. A dica vale tanto para quem trabalha em ambientes com ar-condicionado ou mesmo antes e durante uma caminhada. Outro conselho é fazer um controle ambiental. A razão é manter objetos e espaços limpos. Alguns móveis, artigos decorativos e até livros acumulam poeira e ácaros, o que eleva as chances de a inflamação persistir. É bom ressaltar que, dentre os casos de alergia, a rinite alérgica é responsável por 60% das ocorrências. E quase metade dos casos, ela está associada à asma e à sinusite (inflamação dos seios da face). Os especialistas afirmam que o problema atinge 80% das pessoas com asma.

Mas a rinite alérgica não é o único tipo de inflamação que atinge o nariz. Há situações provocadas por medicamentos. Alguns descongestionantes, por exemplo, podem provocar o que chamam de efeito rebote. “Alivia o nariz, mas minutos depois a obstrução volta ainda mais severa. O uso por mais de sete dias desenvolve rinite. Se for prolongado, pode causar lesão no nariz e elevar a pressão arterial”, alerta o otorrinolaringologista João Ferreira de Mello Júnior, do Hospital das Clínicas/SP. Há também a rinite chamada de ocupacional. Ela é causada pela exposição a substâncias irritantes, em geral no trabalho. Nesse caso, os sintomas se manifestam apenas quando a pessoa se expõe ao agente. Alguém que espirra sempre que entra num lugar com ar condicionado – sem a manutenção necessária – se encaixa nesse quadro. A cabeleireira paulista Vera Lúcia Zago Bento é um exemplo dessa doença. Em casa ou na rua, não se queixa de nada. Mas basta chegar ao trabalho que tudo muda. Ela sofre por causa das tinturas de cabelo. “Se mexo com química, a reação é imediata. Espirro, meus olhos ardem e o nariz fica entupido. Tenho que sair rápido do salão para respirar e tomar um remédio”, conta.

Crianças

Como se nota, a inflamação pode prejudicar a qualidade de vida. Se o mal persistir e não for devidamente tratado, os portadores sofrem severas conseqüências. Em crianças com rinite alérgica, por exemplo, os especialistas já verificaram distúrbios no sono, faltas nas aulas, queda de rendimento escolar e até deformações faciais. “Elas tendem a respirar pela boca”, observa a pediatra e alergologista Marly da Rocha Otero, da UnB. Em alguns casos, isso provoca alterações no céu da boca. Ele se aprofunda, comprometendo a fala. Podem ocorrer ainda alterações na musculatura do lábio inferior. A boca fica constantemente aberta.

Segundo a pediatra, crianças em fase de dentição que não respiram pelo nariz estão ameaçadas de ter dentes fora da posição. “O diagnóstico e o tratamento precoces impedem essas complicações”, completa. Não foi o que aconteceu com os irmãos Gabriel, 15 anos, e Juliana Souza Morata, 13, de São Paulo. Os dois têm rinite alérgica desde bebês, mas a doença só foi identificada quando algumas alterações já tinham ocorrido. Há quatro anos, eles passaram a usar aparelhos nos dentes. “Houve uma melhora muito grande na respiração, mas tudo isso poderia ter sido evitado se o pediatra tivesse tratado a doença como rinite alérgica, e não bronquite”, lembra a mãe, Valéria Morata. Agora, a família sabe como conviver com o problema. Os irmãos fizeram questão de ter uma cachorrinha, que é mantida sob cuidados, com banhos semanais para diminuir a probabilidade de seus pêlos deflagrarem uma crise.

Crianças e adolescentes, aliás, são vítimas comuns. Um estudo internacional que envolveu o Brasil revelou que a prevalência entre a garotada de seis e sete anos beira 25%. Entre jovens de 13 a 14 anos, esse índice salta para 29%. “Quase um terço dos adolescentes brasileiros tem rinite”, comenta o médico Dirceu Solé, responsável pela pesquisa no País. Na população adulta, não há dados, mas sabe-se que os prejuízos também são sérios. O mal-estar gerado pela doença interfere na produtividade no trabalho e na vida social. O consultor de negócios Eduardo Pereira, 51 anos, de Brasília, já teve de cancelar compromissos importantes por causa da enfermidade. Alérgico desde os 20 anos, ele tem notado que a rinite está se agravando. Isso porque freqüenta muitos ambientes acarpetados e com ar condicionado. “Fico constrangido por causa da coriza e dos espirros. Toda hora, interrompo a conversa e já tive que sair no meio de uma reunião”, lamenta ele, que anda sempre com um kit de emergência (pacotes de lenços e remédios).

Iniciativa

Não é à toa, portanto, que a Organização Mundial da Saúde classificou a rinite como um problema de saúde pública. Felizmente, em todo o planeta começam a surgir iniciativas no sentido de alertar para o problema e melhorar o tratamento. Um desses movimentos é liderado pela Allergic Rhinits and Its Impact on Asthma (Aria), uma organização internacional formada por 54 entidades médicas de vários países. No Brasil, ela ajudou a implantar na Bahia um programa de tratamento e distribuição de remédios contra rinite e asma. Esse trabalho reduziu em 40% as internações e provocou uma queda de cerca de R$ 3 milhões nos custos do governo com a doença. “A idéia é que essa experiência possa ser aplicada em outros Estados”, declara o alergologista Álvaro Cruz, coordenador da Aria no Brasil. Se a proposta vingar, os pacientes irão respirar fundo e agradecer.