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PODER Juscelino Kubitschek e Severiano (à dir.)

 

Não tinha pipoca. Nem refrigerante. Homens e mulheres usavam chapéus – o que devia atrapalhar bastante o espectador da fila de trás. Mas o ambiente refinado permitia, ou melhor, exigia o requinte. Cheiro de tabaco e perfume francês eram aromas comuns entre as centenas de pessoas que formavam a platéia de filmes como Acorrentada, com Clark Gable e Joan Crawford – primeiro filme sonoro exibido no Rio de Janeiro –, na década de 30.

O luxo era tanto que o porteiro e os lanterninhas vestiam uniformes de acordo com o enredo do filme. Cinema era a melhor diversão, como ainda é hoje. Mas havia uma solenidade que, definitivamente, o vento levou. Será lançado em meados deste mês o livro 90 anos de cinema (Record), com texto de Toninho Vaz e pesquisa de Vinícius Chiappeta Braga, que relata a trajetória das nove décadas do Grupo Severiano Ribeiro, do cinema mudo à tecnologia digital, enquanto rememora clássicos cinematográficos internacionais e da chanchada brasileira.

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PIONEIRISMO Acorrentada foi o primeiro filme sonoro exibido no Rio, na sala do Cine Palácio

A obra ganhou uma versão capa dura distribuída para amigos e familiares de Luiz Severiano Ribeiro (1885-1974), o fundador do império. Mas será comercializada apenas em forma de brochura. As fotos, do acervo da Atlântida, mostram o esplendor dos templos de cinema e os ídolos da telona. Entre as imagens raras, há o incêndio do Cine Majestic, na década de 60, em Fortaleza, que ardeu em chamas como se fosse um efeito especial. A foto tem como legenda a frase certa: “Até o incêndio no Cine Majestic foi espetacular.” Através das salas da cadeia Severiano, os filmes é que incendiavam a cabeça dos telespectadores. Quem foi platéia na década de 40 não escapou do frisson gerado pela tensão do mestre Alfred Hitchcock em O sabotador, ou deixou de se encantar com clássicos do neo-realismo italiano como Roma, cidade aberta, dirigido por Roberto Rossellini. Severiano Ribeiro disputava o mercado com um de seus primeiros fortes concorrentes, o Janja, um empresário que entrou e saiu rapidamente do mercado. “Guerra é guerra”, dizia o patriarca. Bons tempos em que a competição refletia a busca de filmes de qualidade.

 

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Foi no Nordeste que Severiano Ribeiro nasceu e deu início à cadeia no ramo do entretenimento. Mas a distribuição de filmes estrangeiros para a região sempre atrasava. Ele, então, criou uma empresa para a locação de filmes internacionais e, ao mesmo tempo, partiu para a expansão dos negócios na capital federal, o Rio de Janeiro. Foi hostilizado. “Luiz Severiano Ribeiro é apenas o ‘Lampeão’ do Norte que vive amarrado a exhibir films (sic) velhos. No Rio, o perigo é do seu bando. ‘Corisco’ e outros”, escreveu a revista Cinearte, na década de 20. Quanto mais o empresário avançava – associando-se a gigantes como a americana Metro e mantendo contato com gente importante como o magnata das comunicações Assis Chateaubriand –, mais irritava os concorrentes. O trust criado no Nordeste com ameaça de monopólio elevava sua imagem à de um competidor selvagem. O biógrafo Toninho Vaz resume diferente: “Severiano Ribeiro foi um batalhador voltado para o progresso, mas acompanhava seus negócios como um típico dono de botequim.”

Atualmente, o grupo Severiano Ribeiro possui 207 salas de cinema em 14 cidades do País, entre os quais o charmoso Roxy, em Copacabana, no Rio. Ou, ainda, as luxuosas salas com a marca Kinoplex, em São Paulo, ou na Praia da Costa, no Espírito Santo. Além da história no livro, está previsto o lançamento de filmes do acervo da Atlântida em DVDs. Está chegando às lojas o documentário Esse é Carlos Manga”, diretor da Atlântida que lembra de apenas uma restrição imposta na época: “Estávamos proibidos de namorar qualquer atriz.” Outros tempos.