Operações de desmanche de redes de espionagem costumam dar bons enredos para livros. O caso dos Cinco de Miami, por exemplo, tem todos os ingredientes para um best-seller. Principalmente porque apresenta volteios nebulosos e surpresas, personagens tão irresistíveis quanto insuspeitas e alta-tensão no fio desencapado que liga Cuba aos Estados Unidos há 43 anos. Esta é uma história de espionagem, ou patriotismo, dependendo de quem a escreve.

Miami, 12 de setembro de 1998. Agentes do FBI conduzem na Flórida uma blitz para a captura de um grupo de cubanos – dois deles cidadãos americanos – suspeito de ações de espionagem no país. De concreto, sabe-se que os cinco capturados – Gerardo Hernández, Ramón Labañino, Fernando González, Antonio Guerrero e René González – eram ligados ao serviço de inteligência cubano (DGI). A questão é: o que espionavam? Para os EUA, os cinco procuravam informações para subsequente sabotagem de instalações militares no país. Mais tarde, os réus foram acusados de cumplicidade na morte de quatro expatriados cubanos, cujos aviões foram abatidos em 1994 por caças da Força Aérea de Cuba, quando tentavam bombardear a ilha com panfletos anticomunistas. Esta última incriminação só seria feita depois, em maio de 1999.

As primeiras acusações formais de espionagem, porém, só foram feitas quatro dias depois das prisões, um intervalo no qual o grupo ficou em isolamento, sem direito a advogado. O procedimento provoca aquilo que as autoridades de Havana chamam de “arrepio da lei”, já que nos EUA todos têm direito a assistência jurídica imediata. “Em caso de espionagem, as regras são um tanto diferentes e não seguem as condutas regulares do direito civil”, rebate o criminalista americano Thomas Vortock, consultado por ISTOÉ. De qualquer modo, não se consegue justificar a prisão em regime solitário e incomunicável imposta a cada um desses detentos por um período de 17 meses. Somente depois de longa briga nas cortes, a defesa obteve a integração de seus clientes à população carcerária regular.

As atribulações dos acusados continuaram durante a escolha do local do julgamento. Miami é o epicentro de movimentos anticastristas, e na alegação da defesa, o corpo de jurados poderia ser preconceituoso contra seus clientes. Mas a juíza federal Joan Leonar repeliu a moção para a transferência do processo para outro distrito, sem ao menos oferecer uma explicação por sua decisão.

O fio condutor do enredo está na questão sobre o que é espionagem. Cuba fez, a partir disso, uma espécie de Caso Elián II, o garoto cubano náufrago com custódia disputada em cortes americanas, só que onde os reféns são cinco James Bond caribenhos. As autoridades de Havana vêem seus agentes como patriotas que não estavam empenhados em nenhuma ação contra o governo americano. Neste argumento – que foi o da defesa –, os espiões tentavam obter informações e, se possível, evitar os ataques terroristas de grupos anticastristas. Somente se infiltrando nas organizações de opositores do regime é que se teria chances de desmontar esquemas preparados por exilados em território americano.

Para provar essa teoria, a defesa chamou uma tropa pesada de militares dos EUA. Na parada estavam o general James R. Clapper, ex-diretor da Agência de Inteligência do Departamento de Defesa americano (DIA); o general Edward Atkeson, ex-vice-chefe do setor de Inteligência do Estado-Maior do Exército; o almirante Eugene Carroll, ex-vice-chefe de Operações Navais do Comando Sul; o coronel George Buckner, ex-oficial do Comando de Sistema de Defesa Aérea; e o general Charles Wilhelm, ex-comandante-em-chefe do Comando Sul. Este último, lembre-se, entre 1997 e 2000, foi o responsável militar por todo o território do hemisfério, tendo, inclusive, autoridade máxima na base americana de Guantánamo, em Cuba. Todo esse pelotão repetiu, sob juramento, que não tinha conhecimento de qualquer ação específica perpetrada pelos réus contra alvos militares americanos. E mais: o general Wilhelm disse no tribunal aquilo que repetiu para ISTOÉ: “É impossível que os acusados tenham feito qualquer tipo de infiltração em instalações militares americanas, sem que isso tivesse chegado ao meu conhecimento. Pelo que sei, suas atividades se concentravam apenas na colheita de informações sobre grupos de expatriados cubanos em Miami.” O general Wilhelm, porém, sofre campanha negativa movida por grupos de expatriados cubanos, que o acusam de parceiro dos interesses de Fidel, que até mesmo já o teria recebido na ilha.

Os promotores americanos negam que o trabalho dos cinco de Miami tenha se mantido dentro dos limites da comunidade exilada cubana. “Seria impensável para um agente da DGI ficar atrelado apenas aos exilados”, diz a promotora-chefe do caso, Caroline Miller. “A prova final foi obtida em 21 de setembro de 2001, quando foi presa em Washington a funcionária da DIA Ana Belém Montes. Ela era agente do serviço de inteligência de Cuba e estava roubando informações confidenciais do Departamento de Defesa. Sabe-se agora que Ana mantinha contato com os Cinco de Miami, acusa Miller. A prisão de Ana Montes, porém, ocorreu muito depois do julgamento do grupo. Mas a sorte deles já foi selada: prisão perpétua para três e penas entre 15 e 19 anos para os outros dois.