A Câmara dos Deputados recebe em janeiro uma bancada especial, formada por políticos muitas vezes sem tradição na luta partidária, mas com milhões de motivos para desembarcarem na capital de nariz empinado. Um dos ícones dessa bancada de campeões de voto é a juíza Denise Frossard (PSDB). Ela conquistou seu primeiro cargo eletivo desbancando todos os concorrentes do terceiro maior eleitorado do País. Recebeu 385.111 votos, ou 4,8% do total do Rio de Janeiro. De Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral, sai o petista Patrus Ananias. Depois de comandar a Prefeitura de Belo Horizonte, para a qual foi eleito em 1992, Patrus recuou para o anonimato de funcionário público que anda de ônibus, mas voltou à fama quando a abertura das urnas mineiras revelou sua cachoeira de votos: 520.040, ou 5,4% do eleitorado. “Esse resultado representa muita responsabilidade. A política para mim é um sonho de infância”, afirma Henrique Meirelles (PSDB-GO), o campeão de votos de Goiás com 183,046 ou 7% do total. Ele é mais um novato na política, já que antes da eleição era presidente mundial do BankBoston.

Uma votação tão surpreendente como a da deputada federal Vanessa Graziottin, do PCdoB. Para seu segundo mandato, a comunista convenceu 17,2% dos eleitores do Amazonas, recebendo 197.419 votos. O pequeno PCdoB, aliás, chama a atenção na lista dos mais bem votados. Mantendo a estratégia lenta, mas persistente de pegar carona na onda vermelha do PT, elegeu 12 deputados federais, cinco a mais do que em 1998. Entre os eleitos, três foram campeões em seus Estados. Além do Amazonas, os comunistas chegaram em primeiro lugar no Acre, com a ex-presidente do sindicato dos bancários Perpétua Almeida (7,9% dos votos), e no Ceará, com o já deputado federal Inácio Arruda. Em números absolutos, Inácio é o campeão do PCdoB: 302.627 votos (8,3%).

A bancada dos campeões tem grande diversidade ideológica. PT, PSDB e PMDB têm, cada um, cinco integrantes desse time de primeira. Os petistas chegaram na frente em Mato Grosso do Sul (Vander Loubet), Minas Gerais (Patrus), Piauí (Francisca Trindade), Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra) e Santa Catarina (Carlito Merss). Os tucanos, além de Frossard no Rio, foram os primeiros em Goiás (Meirelles), Maranhão (João Castelo), Paraná (Affonso Carmargo) e Sergipe (Bosco Costa). Os peemedebistas ganharam a maratona no Pará com o ex-governador Jader Barbalho – que volta ao Congresso com 344 mil votos (13%) depois de renunciar para não ser cassado no ano passado – na Paraíba com Wilson Santiago; em Pernambuco com Carlos Eduardo Cadoca; no Rio Grande do Sul com Eliseu Padilha; e em Rondônia com Confúcio Moura.

No ranking dos partidos que elegeram campeões empataram em segundo lugar o PCdoB e o PFL, com três cada um. Um pefelista foi, proporcionalmente, o campeão nacional de votos e retorna ao Congresso depois de ter sido forçado à renúncia no episódio da violação do painel de votação, no ano passado. É o ex-senador José Roberto Arruda, com 26,5% dos votos do Distrito Federal. Ex-tucano, ele retorna pelo PFL com uma montanha de mais de 318 mil votos. Terá como companheiro de Congresso o parceiro da renúncia, Antônio Carlos Magalhães, eleito senador por quase três milhões de baianos. O PPB fez campeões no Espírito Santo (Nilton Baiano) e em Mato Grosso (Pedro Henry), o PTB em Alagoas (João Lyra), o PSB no Amapá (Janete Capiberibe), o nanico PST em Roraima (Maria Helena Veronese Rodrigues) e o Prona em São Paulo (Enéas Carneiro).

Para o Senado, o maior fenômeno foi o petista Aluizio Mercadante, que recebeu a maior votação da história do País, quase 10,5 milhões de votos. Proporcionalmente, no entanto, o campeão nacional foi o ex-ministro da Justiça Renan Calheiros, com 815.136 votos, 42% do eleitorado de seu Estado. Um dos principais líderes do PMDB, Renan vai continuar em Brasília com um grande respaldo político.

 

Timóteo – Os campeões chegam à Câmara atraindo atenções e o respeito dos colegas. Depois da posse, no entanto, começa vida nova, na qual uma vitória esmagadora nas urnas está longe de garantir sucesso parlamentar. A cientista política Lucia Hippolito cita Ulysses Guimarães e Tancredo Neves como exemplos de políticos que mais brilharam na história do Congresso, sem nunca terem sido campeões de voto. “Chegar com uma votação estrondosa, e não puxado pelo voto de legenda, é um ótimo cartão de visitas, dá legitimidade, mas um estreante nunca vai para uma posição de destaque logo de cara”, pondera Lucia, citando exemplos de campeões que deram com os burros n’água: “Quem se lembra de um grande projeto ou de algum destaque na atuação de Agnaldo Timóteo, que teve uma enorme votação à custa do brizolismo na década de 80?”

Para Lucia, o deputado interessado em fazer sucesso, seja campeão de voto ou não, deve seguir alguns caminhos quando trocar o calor das ruas pelos tapetes do Congresso. O primeiro deles é se esforçar para chegar às comissões permanentes – as mais importantes são as de Orçamento e de Constituição e Justiça – ou às comissões especiais que analisam projetos do Executivo. Boa capacidade de articulação é outra qualidade essencial, que construiu carreiras como a de Ulysses e Tancredo. De todas as providências, a mais essencial talvez seja, na avaliação de Lucia, a manutenção do contato com as bases eleitorais. Ela compara o deputado a um eletrodoméstico e o contato com as bases à energia elétrica. “Por melhor que seja, um liquidificador não serve para nada se for desligado da tomada”, brinca.

O nome deles é Enéas

Brasília ganha em 2003 uma nova fauna: os seguidores de Enéas Carneiro, o exótico cardiologista que com os seus mais de 1,5 milhão de votos foi eleito deputado federal por São Paulo e arrastou mais cinco candidatos do Prona. Pelo nível político exposto na entrevista coletiva da tropa, já deu para saber que papel terão na Câmara: seguir as ordens e, principalmente, os votos do dono do Prona. Enéas é um fenômeno indiscutível. Com apenas 28 segundos na tevê, ele teve o equivalente a 8% dos votos válidos de São Paulo. Um estrondo. É a maior votação obtida até hoje por um deputado federal. “Essa vitória foi planejada há um ano, quando decidi entrar no páreo e levar comigo todos os outros”, revelou Enéas.

Por causa do quociente eleitoral, Enéas elegeu – com poucos votos – cinco candidatos que fundaram o partido com ele em 1989. “Vamos pensar no Brasil e na Nação, essa é a nossa filosofia”, afirmou o clínico homeopata Vanderlei Assis, o lanterninha do Prona, eleito com 275 votos. Ele é carioca e trabalha em um hospital na Ilha do Governador. Fez apenas dois corpo-a-corpo em São Paulo. “Somos nacionalistas por excelência e a nossa bancada já está criada. Independentemente de quem seja o presidente, estaremos do lado dele se ele for a favor do povo e contra ele se for contra o povo.”
A bancada anulou o voto no primeiro turno e ainda não decidiu se vai apoiar Lula ou Serra na segunda rodada. “Vamos estudar o cenário que aí está e apoiaremos quem tiver o mínimo de compromisso com a Nação”, estabelece Enéas. O partido conseguiu ainda eleger quatro deputados estaduais em São Paulo. A mais votada foi a dermatologista Havanir Nimtz, 49 anos, eleita com quase 700 mil votos.

Madi Rodrigues