As urnas eletrônicas mal tinham esfriado quando, na segunda-feira 7, a Universidade de São Paulo deu a saída para o debate econômico do segundo turno das eleições presidenciais. Organizado pelo Departamento de Sociologia, pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) e pela Escola Politécnica, o III Seminário Internacional da USP levantou as questões: “Brasil, como crescer? Para onde crescer?”

Para tentar responder ao chamado, compareceram os principais formuladores dos programas econômicos de Luiz Inácio Lula da Silva (Aloizio Mercadante) e José Serra (Gesner de Oliveira), além de um rol de convidados do primeiro time de acadêmicos do Brasil e do mundo. As perguntas do título do seminário ficaram sem uma resposta definitiva, mas a platéia, majoritariamente universitária, saiu convencida de que as eleições serão capazes de respondê-las com dois modelos econômicos distintos, ambos com a mesma obsessão – fazer o País crescer já a partir de 2003.

“A tendência, no caso de um governo Serra, é acontecer no Brasil o que aconteceu na Argentina. Só que pior, já que nossos problemas sociais são muito mais graves”, diz o físico Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participante ativo da campanha de Lula. “Não há saída fácil ou solução imediatista”, rebateu o economista Gesner de Oliveira, assessor de Serra, ao propor, para o País, o corte de despesas públicas e novas privatizações para garantir o superávit primário exigido pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Gesner não foi claro a respeito de como e onde serão feitos os cortes, mas prometeu um crescimento de 3% já em 2003, com a política de continuidade que defende.

Mercadante também falou em criar condições para a manutenção do superávit primário. Mas, ao contrário de Gesner, o petista não fala em corte de gastos públicos. O aperto fiscal agravaria, segundo ele, a dívida social do País. A saída, para o senador eleito, é gerar caixa fortificando a produção para exportação. “A gente conta piadas de português no Brasil. Mas eles, que não produzem couro, exportam US$ 2,5 bilhões em calçados por ano. Nós temos o maior rebanho do mundo e exportamos US$ 1,5 bilhão”, compara Mercadante, que defende, antes de tudo, o controle da crise cambial.

A política externa brasileira dominou as discussões. O representante de Serra também bateu na tecla da necessidade de “exportar ou morrer”. No que foi prontamente inquirido pela professora de ciência política da Universidade de Michigan, Meredith Woo-Cumings: “Não seria melhor o Brasil diminuir sua dependência externa e se afastar dessa política voltada para a exportação, já que os Estados Unidos andam em recessão e há a concorrência da China?” A pergunta ficou no ar.

Chute na escada

Em tempos de discussões sobre a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), chega a ser assustador assistir a uma palestra de Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra). O economista passou meses imerso na história do comércio internacional e chegou à conclusão de que os países economicamente dominantes, em diversas épocas, pregaram o livre comércio. Mas jamais o praticaram. Qualquer semelhança com a atual condução da política externa dos Estados Unidos não é coincidência. “Quando um país chega ao topo, ele chuta a escada para impedir o acesso dos outros”, diz, citando o título de seu novo livro, Chutando a escada, a ser publicado no Brasil pela editora Unesp. A obra mostra que todas as potências da história da humanidade, ao contrário do que pregam, surgiram com políticas de subsídios à produção e ações protecionistas.

Para Chang, o discurso do livre comércio como redenção dos países emergentes já se provou equivocado. Entre os anos 60 e 80, os países emergentes cresceram, em média, 3%. Nas duas décadas seguintes, nas quais a tônica foi a liberalização comercial, a média caiu para 1,5%. “A China e a Índia, países que não abraçaram o livre comércio, apresentam as maiores médias de crescimento entre os emergentes”, diz o acadêmico. A hipótese de o Brasil aderir à Alca o arrepia. “As indústrias serão achatadas e o País voltará à época em que exportava borracha e café”.