Privado de conhecer tradicionais salas paulistanas de espetáculo, como o Teatro São José – construído em 1864 e destruído por um incêndio em 1898 –, o festejado cenógrafo paulista J. C. Serroni resolveu narrar a evolução dos teatros na capital paulista no seu trabalho de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), em 1976. Mas só agora sua pesquisa foi ampliada, concluída e transformada no cuidadoso livro Teatros – uma memória do espaço cênico no Brasil (Editora Senac, 358 págs., R$ 90). “Para construir uma avenida, atropela-se um edifício de valor histórico. Velhos teatros também são demolidos para a construção de uma igreja ou de um bingo”, constata Serroni.

O livro desenha um mapa de 892 salas nacionais de espetáculo, todas devidamente comentadas. Entre elas, 88 receberam destaque, como o Teatro Municipal de Ouro Preto, inaugurado em 1770 e considerado o mais antigo da América Latina. Também marcam presença especial os recém-restaurados Teatro da Paz (1878), em Belém, e Teatro Amazonas (1896), em Manaus, além do Teatro Santa Isabel (1850), no Recife, e o Teatro José de Alencar (1910), em Fortaleza, o preferido de Serroni. Para o cenógrafo, além da beleza do prédio, são indispensáveis o conforto da platéia, a acústica, o tamanho do palco e a funcionalidade das galerias de acesso. “Não adianta ser bonito se não dá para entrar com os cenários ou se o público não enxerga os atores. A platéia precisa ouvir a respiração do elenco”, diz.

Algumas salas foram homenageadas com depoimentos de atores e diretores. Paulo Autran lembra a noite em que o administrador do Teatro São Pedro, em Porto Alegre, irrompeu o camarim após um espetáculo de Édipo rei, em 1967, gritando que o ator havia batido o recorde de espectadores da sala. “Trazia nas mãos um borderô velhíssimo, do início do século, de um recital de um célebre tenor italiano para fazer a comparação. Édipo conseguiu um espectador a mais”, conta o ator. Em outra passagem, Lima Duarte divide com os leitores a emoção de, em 1945, ver sua mãe interromper uma cena no Teatro Pedro II, em Ribeirão Preto (SP), para comemorar o fim da guerra cantando o Hino Nacional. “Tive a certeza de que naquele momento não era a guerra que tinha acabado, minha mãe é que acabou com ela”, lembra Duarte. Nas suas lembranças, Fernanda Montenegro homenageia a cena carioca. “O Municipal é o umbigo cultural do Rio de Janeiro”, opina a atriz, que também assina a apresentação da obra. Fernanda vê no livro a arma que faltava para combater o dragão do esquecimento.