Pai de Lolita, o eterno ícone das fantasias masculinas, o russo Vladimir Nabokov (1899-1977) bem que merecia ser mais reconhecido pelo conjunto de seu trabalho, alvo frequente de injustos ataques dos eternos moralistas de plantão. Uma boa amostra do mérito de sua obra chega agora ao mercado nacional com o lançamento de Detalhes de um pôr-do-sol (Companhia das Letras, 174 págs., R$ 28), coletânea de contos que o autor, poeta e dramaturgo publicou em 1924, quando emigrou para Berlim depois de sua família de linhagem aristocrata ter perdido toda a fortuna com a revolução de 1917.

Estigmatizado pela crítica engajada nas décadas que assistiram à guerra fria, por causa de sua postura antagônica à realidade e ao realismo socialista pregados pela extinta União Soviética e posteriormente pelos intelectuais americanos, que o consideram o arauto da defesa da pornografia infantil, o jovem Nabokov aparece aqui como uma criatura de sensibilidade exacerbada. Com delicadeza e precisão cirúrgica, ele retrata as mágoas e agruras dos corações exilados em contos que em nada inspiram a sensualidade da sua consagrada ninfeta.

É sangue represado o que espirra de cada história, de cada linha,de cada personagem que anda pelas ruas geladas de Berlim ou de Paris, tentando não deixar esvair da memória as referências de outras ruas, ainda mais geladas e infinitamente distantes. Também é a dor surda do exílio que se traduz na descrição das tentativas tímidas de festejar, ainda que modestamente, envergonhadamente até, uma data existente só na memória. Nabokov escancara em detalhes delicados a proverbial melancolia da alma russa arrancada de seu hábitat natural, tecendo com sensibilidade aguda suspiros do fundo de um coração que bate apenas pela inércia de viver cada dia.
 


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