Marcelo Gomes é um príncipe. Nos palcos internacionais ele é a encarnação do personagem Albrecht, do balé Giselle, ou de Siegfried, de O lago dos cisnes. Ou ainda do namorado de Cinderella, todos comprovadamente príncipes encantados.

Na vida real, o brasileiro de 22 anos, 1,91 m, físico de galã de filmes de ação e sofisticação dos cidadãos do mundo também guarda a mística dos contos de fadas. Afinal, onde mais poderia se encontrar alguém nascido em Manaus, criado no Rio de Janeiro, com passagens por Paris e atualmente vivendo numa cobertura no coração de Manhattan, onde reina como primeiro bailarino do prestigiado American Ballet Theatre? Complete-se a lenda com um passado em que seus primeiros movimentos artísticos aconteceram aos cinco anos, na sala de espera de um curso de teatro e música, onde ia com a babá buscar a irmã mais velha. Enquanto aguardava, repetia à perfeição a coreografia proposta aos alunos, causando admiração geral. Dos passos iniciais até a pompa e circunstância do momento, Gomes foi acumulando prêmios e conquistas que o colocaram no trono já ocupado pelo russo Mikhail Baryshnikov.

É bom avisar que, ao falar de Marcelo Gomes, deve-se evitar o chavão do paralelo com o personagem fictício Billy Elliot, do filme homônimo de Stephen Daldry. Seu pai, o advogado Haroldo, e a mãe Mazé, profissional de marketing, sempre lhe deram apoio irrestrito. O mesmo aconteceu com os outros filhos. A irmã Alessandra seguiu os passos da mãe e o irmão é o humorista Haroldo Gomes, um dos redatores do Casseta & Planeta. “Minha família é de classe média. Não tinha tanto dinheiro para me sustentar por todos estes anos no Exterior”, conta Gomes. Some-se ao aperto econômico, o sacrifício de o filho caçula ter passado boa parte dos 16 anos de carreira fora de casa. “Para dizer a verdade, não tive infância.”

Não há nesta confissão nenhum sinal de arrependimento. A prova é que, agora, Gomes não procura abraçar o mundo de uma só vez. “Gosto de sair, de dançar, e tomo um vinhozinho de vez em quando. Só que é preciso estar sempre trabalhando o corpo e a técnica, senão a gente fica duro.” O ritmo brutal vem se mantendo desde que, aos oito anos, foi descoberto por Helena Lobato, a então primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio. Em seguida, levou suas sapatilhas para a escola de Dalal Achcar, ex-diretora do Municipal carioca e formadora da nata do balé brasileiro. O enredo de filme da vida de Marcelo Gomes deu outro volteio à mesma época, quando, aos 12 anos, teve de esperar completar 13 para ingressar no Harid Conservatory, de Boca Raton, Flórida. Era o início de um exílio voluntário.

A sequência aconteceria na prestigiada Opera de Paris. Mas antes, durante férias no Rio, compareceu aos ensaios de uma apresentação local do American Ballet Theatre. “Eu era tão apaixonado pela companhia que me dispus até a participar como figurante.” Pediu ao diretor David Richardson para fazer uma aula. “Ele não queria deixar, mas, ao ouvir que eu tinha sido aceito na Ópera de Paris, mudou logo de idéia.” Ao vê-lo em ação, o diretor artístico do ABT, Kevin McKenzie, quis assinar contrato no ato. Gomes estava com 16 anos e já poderia ter recebido na sua carteira de trabalho o carimbo de uma das maiores companhias de balé do mundo.

Para sua decepção, pela primeira vez a mãe barrou seus passos. Mas, para quem é tão precoce, o tempo corre rápido. Depois de Paris, ele buscou emprego no ABT, em 1997. “Achei que eles nem iriam se lembrar de mim.” Engano. McKenzie não apenas o reconheceu como lhe deu trabalho. “Uma vez dentro do ABT, não teve mais mágica. Fui fazendo aulas, ensaiando, pegando papéis pequenos, servindo outra vez de figurante. Até chegar a minha vez”, segreda aquele que um dia foi patinho feio e hoje festeja soberbo no Lago dos cisnes.