Poucas coisas podem ser piores do que ser traído por quem você confia. Até o presidente Lula já reclamou dessas punhaladas de quem
está ao lado. E, de acordo com um estudo recém-lançado pela consultoria Pricewaterhouse Coopers em parceria com a universidade Martin-Luther, da Alemanha, esta também é a dor de cabeça de boa parte dos executivos do mundo. A pesquisa, batizada de Global Economic Crime Survey (Levantamento Global sobre Crimes Econômicos), envolveu presidentes ou diretores de 3.634 empresas em 34 países, 75 delas no Brasil. Os resultados mostram que, embora 70% dos executivos brasileiros e estrangeiros imaginem estar protegidos contra fraudes, os sistemas de controle das empresas apresentam graves deficiências. Aqui e no mundo, 45% delas foram vítimas de alguma fraude. Na maioria dos casos brasileiros (56%), quem comete o crime é um funcionário. “Este número pode ser maior, pois em muitos casos o empregado tem apenas uma participação, e não a responsabilidade total pela fraude”, diz Carlos Asciutti, o coordenador da pesquisa no País. Quando o criminoso está dentro da companhia, é preciso ficar de olho nos cargos mais altos – dois terços ocupam médias ou altas gerências e 88% têm curso superior. São funcionários em posições de confiança e com conhecimento dos sistemas internos de controle.

Ganância – Jovens e instruídos, os criminosos brasileiros são mais gananciosos do que os estrangeiros. Enquanto no País os crimes que causaram prejuízos de mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 2,3 milhões) são um quarto do total, perdas como essas não passam de 14% em âmbito global. Por outro lado, as fraudes envolvendo menos de US$ 10 mil (R$ 23 mil) foram menos de um décimo no Brasil e quase um quarto no mundo. Normalmente, a reunião de três fatores leva uma pessoa a cometer um crime econômico. “É preciso que haja um incentivo ou pressão, como o desejo de enriquecer ou a necessidade de bater metas; uma oportunidade clara para cometer a fraude; e um motivo que justifique o ato para o fraudador, algo na linha ‘meu patrão enriquece me explorando’”, explica Asciutti.

No levantamento anterior, de 2003, 39% das empresas brasileiras relataram ter sofrido fraudes. A diferença para os atuais 45% não significa necessariamente um aumento no número de crimes, como mostra um trecho do relatório: “Esta variação pode ser atribuída em parte à menor relutância das empresas em divulgar casos de fraudes, bem como ao maior senso de transparência a respeito das transgressões.” Casos como o da americana Enron, gigante do setor de energia que faliu em dezembro de 2001, e da italiana Parmalat – ambas praticantes de manobras contábeis para falsificar seus balanços – fizeram com que os sistemas internos de proteção e as leis evoluíssem. “Hoje nos Estados Unidos as empresas são obrigadas a manter um número de telefone para receber denúncias e têm o dever legal de investigá-las”, diz Asciutti. Muitas empresas americanas, diz o coordenador, estimulam os funcionários a reportar qualquer atividade suspeita – quem sabe de uma fraude e não a denuncia pode até sofrer sanções – e adotam esquemas para proteger os delatores. Mas os brasileiros, mesmo sabendo que o colega cometeu um erro grave ou até um crime, não gostam do papel de dedo-duro. Apenas 4% dos crimes econômicos no País foram detectados após indicações de dentro da empresa, contra 17% no plano global.

Após a descoberta da fraude, os patrões brasileiros têm comportamento semelhante ao das vítimas de crimes comuns. Apenas 25% relataram o ocorrido à polícia. “O empresário teme represálias. Se o responsável for um funcionário, pior ainda, porque ele tem informações importantes. É preciso perder o medo da denúncia, da polícia e da Justiça”, ressalta o advogado Fernando Passos, presidente da comissão de estudos da concorrência e regulação econômica da OAB de São Paulo. No mundo, 63% foram à polícia. A porcentagem de fraudadores condenados foi de apenas 8% no Brasil e de 29% na amostra mundial. Além de a comunicação dos casos às autoridades ser menor no País, no Exterior, acrescenta Asciutti, há leis que tipificam esses crimes muito mais claramente. Para Passos, o problema não é a legislação. “O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) exerceu bastante a sua função preventiva, mas pouco a punitiva. O Ministério Público não tem tradição nesse tipo de assunto, bastante específico, mas começa a se movimentar. A delação premiada, que vem sendo combatida, é instrumento importantíssimo, usado no mundo inteiro”, diz ele. Como se vê, o País está atualizando as formas de combater esse tipo de crime. Mas, em todo caso, é bom os patrões ficarem ligados.

Leia a íntegra da pesquisa em www.pwc. com/images/bz/PesquisaGEC05.pdf

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