O avião que aterrissou no aeroporto de O’Hare, em Chicago, no no dia 8 de maio, trazia a bordo uma bomba metafórica. O petardo estava destinado a detonar a Constituição americana na segunda-feira 10. John Ashcroft, o equivalente americano a ministro da Justiça, interrompeu naquele dia a viagem que faria a Moscou para comunicar em rede nacional de tevê que o Federal Bureau of Investigation (FBI) havia prendido um terrorista ligado à organização al-Qaeda, com planos de fabricação e explosão de uma “bomba suja”. Ele se referia a um engenho de dispersão radioativa, muito aquém de uma bomba atômica, mas ainda capaz de contaminar inúmeras pessoas. A gravidade da notícia provocou uma reação em cadeia no país. Num primeiro estágio, confirmou a paranóia já acentuada dos americanos de que radicais islâmicos estão seriamente dispostos a usar tecnologia nuclear. A segunda consequência foi a validação da ação de terroristas, que é exatamente a de espalhar o terror. E, por último, pode ter ferido gravemente a Carta Magna da nação, uma vez que o prisioneiro é cidadão americano e está detido há mais de um mês, sem que as autoridades o tenham acusado formalmente de qualquer crime. José Padilla, 31 anos, nova-iorquino do Brooklyn, mas radicado em Chicago, é o suspeito. Ele foi levado pelo FBI para uma prisão em Nova York, interrogado sem que se respeitasse o seu direito constitucional ao acompanhamento de um advogado e, depois, transferido para uma prisão militar na Carolina do Sul, onde está sendo mantido em limbo jurídico.

Oficialmente, o status de Padilla, que assumiu o nome de Abdullah al-Mujahir desde que se converteu ao islamismo, é o de “combatente inimigo”. No idioma do Pentágono, a designação se aplica àquele “que não adere às regras da guerra. Pessoa sem armas e sem vínculos com governo reconhecido”. O fraseado é tão confuso quanto a situação do detento. Afinal, o cidadão é um americano e, portanto, tem vínculos com governo reconhecido, como tantos outros no país, não porta armas e não pode aderir às regras de uma guerra não declarada. E mais: ao designar, em novembro, os tribunais militares para julgamento de terroristas, o presidente George W. Bush prometeu publicamente que nenhum americano seria submetido a esse tipo de Corte. Deste modo, está criado um imbróglio legal que já levantou vozes iradas entre juristas e legisladores do país, inclusive os poderosos republicanos John McCain e Alen Specter, que desejam uma investigação sobre o assunto. Do campo do Partido Democrata partiram acusações de que a Casa Branca resolveu dar relevância desproporcional a Padilla, como forma de auxiliar seus esforços para a criação de uma Secretaria de Segurança doméstica, que enfrenta oposição no Congresso. Como disse o senador democrata Ted Kennedy: “Não me parece que mudar as posições das cadeiras do Titanic irá alterar muita coisa”, numa referência às alterações propostas por Bush. O alarido sobre a prisão de Padilla também serviria, segundo a oposição, para desviar as atenções que estão voltadas para as investigações sobre as falhas de inteligência na CIA e no FBI.

De concreto, porém, as autoridades americanas dizem que têm diagramas encontrados com Padilla que descrevem como fazer e explodir um aparato radioativo. “Qualquer pessoa com um computador tem acesso a essas informações, à disposição em vários sites da internet – nem todos, diga-se, ligados a extremistas”, diz Gary Millholin, diretor do Wisconsin Project on Nuclear Arms Control, organismo que defende o controle das armas nucleares. “Mas sair do papel e concretizar um ataque é algo muito mais complicado. É muito difícil reunir um grande material radioativo e depois fazê-lo dispersar”, afirmou Gary. Os especialistas concordam que uma bomba suja dificilmente contaminaria um grande número de pessoas. “O grande problema seria
o pânico vinculado à detonação de um aparato desses”, disse o diretor do Wisconsin Project. Se alguém estivesse disposto a causar estrago radioativo, quais seriam as consequências na saúde pública? Para se conseguir material radioativo basta que um terrorista compre um dos muitos equipamentos hospitalares que contém Césio 137. Os brasileiros, especialmente aqueles de Goiânia, tiveram uma mostra de como é perigosamente fácil encontrar esta substância e os estragos que
ela pode causar na população. Bastaria uma pedrinha do tamanho de um grão de ervilha de Césio 137, unida a cinco quilos do explosivo TNT, para se criar uma bomba que contaminaria uma área entre Estátua da Liberdade, passando pelo Central Park, e indo ao norte até a região de Riverdale, no Bronx, além do Queens e do Brooklyn. A região ficaria contaminada por 30 anos.

E quanta gente morreria? “Perto do marco zero da explosão, além daqueles que pereceriam com o impacto inicial, uma em 100 pessoas contrairia alguma forma de câncer no futuro”, diz Gary. “Já em Riverdale, a cerca de 50 quilômetros ao norte da ponta do estuário do rio Hudson, uma em 1.000 pessoas também apresentaria um tipo de câncer no futuro. As chances de um nova-iorquino contrair câncer seria de uma em 20,01”, calcula o especialista. E isso é apavorante, não é? “Não, as chances de um americano morrer de câncer normalmente são de uma em 20. Se você pensar bem, dá na mesma.”