Dois excêntricos políticos asiáticos se encontraram em uma reunião mais excêntrica ainda. O primeiro, com cabelo à Elvis Presley, é fã do grupo de rock japonês X-Ray e frequenta karaokê. O segundo faz permanente, usa sapatos de salto alto, raramente é visto em encontros diplomáticos e só anda de trem, pois tem medo de avião. Junichiro Koizumi, o primeiro-ministro japonês, e Kim Jong Il, ditador da Coréia do Norte, apertaram-se as mãos na terça-feira 17, na capital norte-coreana, Pyongyang, num encontro histórico. O cenário com calmas nuvens atrás previa bons tempos para as duas nações que nunca tiveram relações diplomáticas. O Japão reiterou o pedido de desculpas pelas atrocidades que ocorreram durante a brutal dominação nipônica sobre a península da Coréia, entre 1910 e 1945. Naquele período, cerca de 2,5 milhões de coreanos foram levados ao Japão para trabalhos forçados e milhares de mulheres, as chamadas “mulheres de conforto”, foram obrigadas a “servir” os soldados japoneses. Com a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Coréia foi dividida entre o Norte, apoiado pela URSS, e o Sul, sustentado pelos americanos. Três anos depois, foram criadas a República Democrática Popular da Coréia (Coréia do Norte), comunista, e a República da Coréia (Coréia do Sul), capitalista. Os dois países foram à guerra em 1950, que envolveu também tropas americanas e chinesas. A divisão da península foi consolidada com o armistício de 1953 e sobreviveu ao fim da guerra fria.

No encontro, a Coréia do Norte, depois de sempre ter negado, admitiu pela primeira vez o rapto de 11 japoneses entre os anos 70 e 80. Kim afirmou que o episódio foi “lamentável” e nunca mais se repetiria. O governo norte-coreano afirmou que seis dos sequestrados morreram de causas naturais. Segundo diplomatas japoneses, o sequestro foi realizado pelos militares com o objetivo de ensinar japonês para agentes secretos norte-coreanos. Mas os parentes das vítimas não se contentaram com a declaração do premiê e exigem uma investigação sobre o destino dos desaparecidos. As cobranças domésticas fizeram com que, pela primeira vez, Koizumi se distanciasse do aliado George W. Bush, que elegeu a Coréia do Norte como parte do “Eixo do Mal”. “Não haverá avanços, a não ser que se dê início às negociações”, afirmou. Em contrapartida, Bush mandou um recado a Koizumi: conseguir a permissão de Pyongyang para uma livre inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica. A Coréia do Norte é acusada pelos EUA e Japão de produção de armas de destruição em massa e de apontar mísseis nucleares para o arquipélago. Em 1998, a tensão chegou ao extremo, com o lançamento de um míssil norte-coreano que passou pelos céus nipônicos. Agora, a Coréia do Norte fez vagas promessas de cumprir os tratados nucleares e mandou um recado de volta a Bush, dizendo que está “de portas abertas”.

A lenta abertura da Coréia do Norte, um dos últimos regimes stalinistas da Terra, vem sendo comparada à da China nos anos 80, que, por
temer um colapso econômico, resolveu acolher o Ocidente. O Japão acena com US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões para os norte-coreanos
em “doações, créditos de longo prazo e assistência humanitária”. Mas é o mandatário da Coréia do Sul, Kim Dae Jung, o principal promotor
da abertura da Coréia do Norte, iniciada em junho de 2000 com o estabelecimento de cooperação entre as duas nações. Dois dias depois da visita de Koizumi, foi inaugurada a primeira linha de trem que religa o Norte ao Sul. Seul deverá ainda construir um parque industrial no Norte. Durante a estada do premiê japonês, também foi promovida mais uma das emocionantes reuniões entre as famílias coreanas separadas desde
a criação dos dois Estados. Pais e filhos, irmãos que não se viam há mais de quatro décadas debulharam-se em lágrimas. “Estamos enterrando uma história marcada pelas feridas da guerra e pela dor da divisão”, declarou o governo sul-coreano.