O responsável por fazer a cidade de Bogotá, antigo sinônimo de violência, virar exemplo mundial em segurança pública diz que as prefeituras têm de ajudar a combater o crime

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PCC
Para o sociólogo, é mais fácil combater um grupo que
controla o tráfico sozinho, como ocorre em São Paulo

O sociólogo Hugo Acero Velásquez assumiu em 1997 um desafio arriscado: o de controlar a pasta de segurança de Bogotá, capital da Colômbia. Em sua mesa, gráficos apontavam um dos mais altos índices de homicídio das Américas, com 72 mortes a cada 100 mil habitantes. Para reverter a situação era preciso orquestrar forças dentro do próprio governo e fazer a população aderir às ações de combate à violência. E foi com extrema maestria que Velásquez conseguiu cumprir esses objetivos. Quando deixou a pasta, as mortes haviam sido reduzidas em 68% e Bogotá se tornado referência mundial no controle do crime. A experiência valeu a Velásquez convites para atuar em diversas cidades da Colômbia, Equador e México. As colombianas Medellín e Barranquilha e as equatorianas Quito e Guayaquil foram algumas das que tiveram êxito seguindo suas ideias. Os bons resultados fizeram do sociólogo um dos especialistas em segurança pública mais importantes da América Latina, atuando como convidado em diversas ações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Atualmente na América Central, ele assessora os governos de Honduras e El Salvador na implementação de planos nacionais de combate à violência.

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"No Rio e em São Paulo, o grande problema
é o varejodo tráfico. E há uma profusão
de crimese negócios ilegais paralelos"
 

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"As organizações criminosas da América
Central, as “maras”, vão disputar espaço e
tomar o território dos cartéis mexicanos"

ISTOÉ

O sr. se tornou conhecido após o sucesso do trabalho feito em Bogotá. A que atribui o êxito dessa experiência? 

Hugo Acero Velásquez

A um conjunto de fatores: à centralização da liderança e da gestão da segurança na figura do prefeito. Ao trabalho conjunto com o governo federal, a polícia, o Ministério Público, os juízes, o diretor de presídios e as instituições de desenvolvimento social. À criação de uma política integral de convivência e segurança. À participação da comunidade e do setor privado e à avaliação e ao acompanhamento dessas ações por parte das universidades, meios de comunicação, comunidade e setor privado. Um acordo interinstitucional sob a liderança do governante – seja ele o presidente, seja o governador ou o prefeito – é fundamental para melhorar a gestão e os resultados na área de segurança.  

ISTOÉ

Quais as peculiaridades do crime organizado no Rio de Janeiro e em São Paulo? 

Hugo Acero Velásquez

São situações em que o grande problema é o narcotráfico local, também chamado de microtráfico ou varejo do tráfico. As peculiaridades estão na profusão de negócios ilegais paralelos a essa atividade, como a venda ilegal de armas, o contrabando, as mortes encomendadas, a extorsão, o sequestro e o tráfico de pessoas. Hoje quase todas as cidades da América Latina estão padecendo desses males, que afetam a vida de todos. 

ISTOÉ

A pacificação de favelas no Rio é uma boa estratégia para lidar com esse problema? 

Hugo Acero Velásquez

Sim, mas a ação policial deve estar mais bem integrada à estratégia de se pensar a justiça como meio para o desenvolvimento social. Isso implicaria, por exemplo, ações de cunho arquitetônico, com a criação de programas de renovação urbana que promovam a inclusão das favelas nas cidades. 

ISTOÉ

Há exemplos de como a melhoria na segurança ajudou a desenvolver os lugares onde trabalhou? 

Hugo Acero Velásquez

No caso colombiano, nos últimos anos melhorou a segurança e o país registrou um de seus períodos mais importantes de crescimento econômico. Aumentou a presença de capital estrangeiro e o desemprego foi reduzido. Estamos agora com a taxa de desemprego em um dígito. Há dez anos, o índice era de cerca de 20%. Se olharmos apenas para Bogotá, ela se tornou mais competitiva e atrativa. Inclusive, hoje atrai muito mais turismo que a cidade de Cartagena, um conhecido roteiro turístico colombiano.  

ISTOÉ

Ter apenas um grande grupo controlando o tráfico, como ocorre em São Paulo com o PCC, torna mais fácil combatê-lo? 

Hugo Acero Velásquez

Sem dúvida. Mas é preciso tomar decisões políticas que envolvem não apenas as autoridades de São Paulo como também os governos federal e de outros Estados. É também preciso ter em mente que em alguns casos essas decisões podem levar a ondas de violência que farão com que alguns cidadãos pensem que foi um erro iniciar esse combate. 

ISTOÉ

Por que isso acontece? 

Hugo Acero Velásquez

Por um lado, pela reação dos criminosos à ação do Estado. Por outro, pela violência gerada a partir da prisão dos criminosos que ocupam postos de chefia. Surgem confrontos internos para se decidir quem vai ocupá-los. Mas, quando os criminosos percebem que não vão conseguir persuadir o Estado e a sociedade, a violência diminui. Nesse momento, o Estado precisa estar pronto para retomar o controle de territórios antes tomados pela criminalidade, garantindo a segurança e o bem-estar dos cidadãos.  

ISTOÉ

O governo de São Paulo demorou muito para reconhecer a crise de violência atual. Isso torna sua solução mais difícil? 

Hugo Acero Velásquez

Não tenho acompanhado diretamente a situação de São Paulo, mas não reconhecer um problema apenas torna mais difícil sua solução. No fim dos anos 1990, no México, as autoridades consideravam que o narcotráfico era um problema dos países produtores e que o México era passagem para a droga chegar aos EUA. Tive a oportunidade, na época, de dialogar com funcionários do governo mexicano e lhes disse que a droga não estava apenas de passagem: ela havia chegado para ficar e, logo, apareceriam cartéis no México que tomariam o lugar dos colombianos. Foi exatamente o que ocorreu. O fato de o México não ter reconhecido o problema o tornou mais difícil de enfrentar e a situação, mais violenta. O mesmo hoje é visto na América Central e não tenho dúvidas de que, em pouco tempo, as organizações criminosas centro-americanas, as “maras”, vão disputar espaço e tomar o território dos cartéis mexicanos.
 

ISTOÉ

Medellín ainda sofre com o crime organizado? 

Hugo Acero Velásquez

Apesar de menos violenta e mais segura, Medellín ainda vai sofrer por anos com o crime organizado que está instalado na cidade há mais de 40 anos. É possível encontrar várias gerações de uma mesma família ligadas ao narcotráfico e a outras atividades do crime organizado, como o contrabando e o comércio ilegal de armas. Isso torna o problema mais complexo e exige tempo para se mudar essa cultura. Temos bons resultados nos últimos oito anos, iniciados com Sergio Fajardo (prefeito na gestão 2004-2008). Mas serão precisos ao menos outros quatro governos, ou seja, 16 anos, para que o crime organizado não seja uma alternativa de ascensão social para algumas camadas da população.
 

ISTOÉ

No Brasil, a polícia está sob o comando do governo estadual. Na Colômbia, sob controle do prefeito. Esse segundo modelo é mais adequado? 

Hugo Acero Velásquez

O Brasil precisa responsabilizar mais os prefeitos em relação às questões de segurança, ainda que o comando das corporações policiais não seja realizado em âmbito municipal. As cidades são o cenário privilegiado para a gestão da segurança. É na rua, no parque, onde acontecem a violência e a delinquência. E são os prefeitos que devem conhecer as cidades. O governador, por mais bem-intencionado que seja, não pode estar presente em todos os municípios do Estado. 

ISTOÉ

O fato de haver duas polícias, a militar e a civil, pode levar a uma justaposição de papéis?  

Hugo Acero Velásquez

O problema é a falta de decisão política. Enquanto os delinquentes estão organizados, as autoridades estão cada uma de um lado. A Polícia Federal não trabalha em conjunto com a Polícia Militar, nem com a investigativa e muito menos com o Ministério Público. Cada instituição atua isoladamente. Sem uma aproximação dessas autoridades, dos governos, das prefeituras e das instituições de desenvolvimento social é muito complicado obter resultados e mais difícil mantê-los. 

ISTOÉ

Por que o sr. afirma que o modelo baseado em polícia, justiça e cárcere não resolve o problema da segurança? 

Hugo Acero Velásquez

A segurança vai muito além de policiais, juízes e presídios. Nas áreas por onde o crime e a violência se espalham há mais do que criminosos, quadrilhas, venda de droga, violência, extorsão e delitos. Há crianças e adolescentes fora da escola e em risco de serem recrutados pelo crime. Há parques abandonados, há ruas sem iluminação e sem lixeiras. Há falta de serviços públicos. Esses problemas não são resolvidos nem pela polícia, nem pelos juízes, nem pelos presídios. São questões que devem ser respondidas pelos órgãos de desenvolvimento social em um trabalho conjunto com as equipes de segurança e justiça.
 

ISTOÉ

Por que temos presenciado essa rápida expansão do crime organizado na América Latina?  

Hugo Acero Velásquez

O aumento atual se deve em grande parte à expansão na exportação das drogas, principalmente da cocaína, ocorrida depois da interdição direta dos Estados Unidos nas regiões produtoras, em especial Colômbia, Peru e Bolívia. Isso fez com que os cartéis desses países buscassem parceiros para ajudar a levar a droga até o território americano e europeu por meio das fronteiras, portos e aeroportos do México, Venezuela, Brasil, Equador, dos países da América Central e de tantos outros. Logo parte dessa droga começou a ficar nesses países como pagamento, destinada ao consumo interno, que nunca deixou de crescer. As drogas não estão só de passagem por esses países. Elas chegaram para ficar e para enriquecer os grupos criminosos locais.
 

ISTOÉ

As estratégias dos governos de combate ao narcotráfico estão equivocadas? 

Hugo Acero Velásquez

Não é apenas isso. Os países americanos nunca tinham enfrentado organizações criminosas tão organizadas e com tanto poder de violência e de corrupção como as de hoje. São grupos fortes, cujo poder lhes é garantido pela quantidade de dinheiro que possuem e pela variedade e rentabilidade dos negócios que controlam. Além de não haver coordenação dos governos e cooperação internacional para enfrentar o crime organizado, o trabalho realizado por cada um dentro de seu território está equivocado. As ações estão concentradas apenas no combate ao narcotráfico, sem levar em conta outras atividades criminosas igualmente rentáveis e violentas e que ocorrem em conjunto, como o tráfico de pessoas, o comércio ilegal de armas, o contrabando e o comércio de órgãos. Agir sem levar esses problemas em conta limita os resultados obtidos, tornando-os ineficazes na desativação das organizações do crime organizado. 

ISTOÉ

Violência é sinal de falência das políticas sociais? 

Hugo Acero Velásquez

 Não. A violência sinaliza para a falência dos planos, programas e projetos de prevenção à violência e ao crime. Existem muitas comunidades pobres no mundo nas quais os níveis de violência são muito baixos, como é o caso do Cairo, onde a taxa de homicídios não chega a um por cada 100 mil habitantes.