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PECHINCHA
Apartamentos à venda em Madri, Espanha: os
preços caíram quase 30% desde o estouro da bolha

Existem hoje quase um milhão de imóveis vazios na Espanha. Estimulados pela euforia causada por uma bolha imobiliária, muitos espanhóis compraram, nos últimos anos, casas a valores hiperinflacionados e distantes do que sua renda poderia sustentar. Com o agravamento da crise, o nível de desemprego avançou para 25% (o mais elevado da União Europeia) e a economia encolheu, forçando milhares de pessoas a deixar seus lares simplesmente porque não podem mais financiá-los. Desde o estouro da bolha, em 2008, a inadimplência de hipotecas disparou e cerca de 400 mil imóveis foram tomados pelos bancos. Diante desse panorama sombrio, o governo espanhol decidiu lançar uma medida polêmica: conceder vistos de residência, o primeiro passo para a cidadania, a estrangeiros que comprarem imóveis. O valor mínimo do investimento seria de 160 mil euros, o equivalente a R$ 430 mil – uma “pechincha” para a imprensa local. “O setor tem que voltar a crescer”, defendeu o primeiro-ministro Mariano Rajoy. “Os apartamentos têm que ser vendidos e a preços adequados.”

A ideia parecia impensável há poucos anos, quando uma onda de racismo e xenofobia encontrava força na Espanha, conhecida por dificultar a entrada de estrangeiros, e se espalhava por países como Alemanha e França. O objetivo do governo espanhol agora é, de acordo com o secretário de Estado do Comércio, Jaime García-Legaz, atrair principalmente investidores russos e chineses. “A cultura competitiva, própria até agora do mundo empresarial, está se movendo para o âmbito governamental”, afirma Antonio Montes del Real, diretor de relações estratégicas da IE Business School de Madri. “É preciso abrir mais os mercados e oferecer melhores condições que seus vizinhos para, assim, gerar mais crescimento.”

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IMPULSO
Mariano Rajoy, premiê espanhol:
“O setor imobiliário tem que voltar a crescer”

Propostas semelhantes já foram implementadas em outros países. Em Portugal, desde o início de outubro a autorização de residência temporária, conhecida como Golden Visa, está aberta a estrangeiros que adquiram propriedades de valor igual ou superior a 500 mil euros. “A nova legislação será muito benéfica para o país e para os investidores, trazendo um fluxo de investimento e novas oportunidades de negócio”, disse à ISTOÉ Miguel Menezes, diretor da imobiliária portuguesa Casas de Luxo. Manuel Neto, gerente da imobiliária Engel & Volkers em Lisboa, concorda. “Na atual crise, existe grande necessidade de promover o desenvolvimento do país”, afirma. Segundo eles, a medida atrai principalmente cidadãos de países de língua portuguesa, como Brasil, Angola e Moçambique.

Na Irlanda, uma medida parecida foi introduzida em abril. O investimento mínimo deve ser de 1 milhão de euros, numa soma de 500 mil euros num imóvel e outros 500 mil euros em títulos de dívida. Além disso, o governo exige que a pessoa tenha “bom caráter” e comprove a origem legal do dinheiro. Na semana passada, durante sabatina no Parlamento, o ministro da Justiça e Igualdade, Alan Shatter, disse que apenas três vistos foram concedidos desde então. Os beneficiados vêm da América do Norte, da África e da Ásia, e nenhum deles comprou uma propriedade. De acordo com Shatter, dois deles se comprometeram a investir em empresas embrionárias e o outro fez um aporte numa companhia já existente, preenchendo outros requisitos necessários para a aplicação (leia quadro).

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Nos Estados Unidos, o Senado estuda desde o ano passado conceder permissão de residência a quem gastar, no mínimo, US$ 500 mil em um único imóvel ou US$ 250 mil em dois. Nesse caso, uma das casas poderia ser alugada. Autor da proposta, o senador Charles Schumer declarou que “essa é uma forma de criar mais demanda sem custar um centavo ao governo federal”. As vendas de casas para estrangeiros aumentaram mais de 20% no último ano e se concentram, principalmente, em Miami, na Flórida, segundo a Associação Nacional de Corretores de Imóveis dos Estados Unidos. Os canadenses lideram a lista, seguidos por chineses, mexicanos e indianos. O conceito de cidadão global parece estar finalmente saindo da abstração. 

Foto: DOMINIQUE FAGET/AFP PHOTO